BANDEIRAS NA CAIXA D’ÁGUA E CERTEZA QUE VAI TER JOGO

BANDEIRAS NA CAIXA D’ÁGUA E CERTEZA QUE VAI TER JOGO

Coisas da bola

Coisas da bola são relatos de fatos vividos por mim, histórias contadas por amigos e outros frutos da minha imaginação.

Qualquer semelhança será puro acaso.

“Jair da Silva Craque Kiko”

Escutando o programa de esportes onde o radialista esportivo Cadinho em uma emissora de rádio dava as informações sobre a rodada do final da semana do Campeonato da Liga Esportiva Regional Iguaçu, nós piazada da década de 1960, já sabíamos que domingo teria prélio na Vila Famosa. Vila Famosa era uma alusão aos pavilhões que ficavam em frente ao campo do Ferroviário E.C. onde moravam os funcionários da Rede de Viação Paraná Santa Catarina. A expectativa sempre era enorme, uma vez que se chovesse a rodada poderia ser transferida. Promessas e rezas aos santos já eram habituais, não podia chover. Quando chovia a tristeza era grande e acabava com nosso final de semana, era um Deus nos acuda. A atenção ficava, então, voltada para a famosa caixa d’água existente nos fundos do gol de entrada. Antes da hora do almoço, das nossas casas, de minuto em minuto olhávamos para a parte superior da referida caixa para ver se seriam hasteadas as bandeiras do quadro mandante e da Liga. Se fossem hasteadas, significava que o campo estava liberado para jogo e a rodada do futebol amador seria realizada, era a maior alegria para nós.
Moradores que éramos das redondezas, já sabíamos das tocas e buracos na cerca para entrarmos de “ratão”, isso quando o policiamento não era muito ostensivo. Quando o nosso intento não lograva êxito nós ficávamos em frente da portaria, com cara de “coitados”, esperando que o porteiro ficasse com dó e nos mandasse entrar. O macete era ficar quietinho e de cabeça baixa. Não dava nem nega, em poucos minutos estávamos lá dentro.
Foi assim que eu e muitos dos meus amigos da época demos os primeiros passos para praticar o ludopédio e assistir embates antológicos como esse da decisão de um campeonato na década de 1960.
Os esquadrões do Ferroviário e União se classificaram para a grande final. Após um sorteio na sede da Liga ficou decidido que o prélio decisivo seria no tapete verde do Estádio da Vila Famosa.

No último jogo classificatório, o lateral direito do Ferrinho (nome carinhoso dado ao Ferroviário) foi expulso de campo e não poderia atuar na peleja final e, o seu reserva imediato estava no departamento médico. E agora, o que fazer? O ponteiro esquerdo do adversário era a arma do time, liso de bola e veloz, acho até que foi o artilheiro do campeonato. Sem outra opção, o treineiro do quadro do Ferroviário, de acordo com a diretoria, resolveu convocar o lateral do time de aspirantes (categoria abaixo do titular). Beque lateral voluntarioso, “cavalo”, briguento e metido a machão. Por qualquer coisa armava um fuzuê, além de que, era bom de braço. Era sinônimo de confusão. Para tentar por o homem nos eixos e para que se preocupasse somente em jogar bola, a diretoria do Ferroviário contratou uma psicóloga e, antes dos treinamentos o lateral participava de sessões para não perder o controle durante o duelo. Era conselho daqui, pedidos de calma de lá. Após várias sessões, o beque prometeu que se controlaria e arrasaria o ponteiro adversário, marcaria em cima, fungaria no cangote dele e acabaria com a fama do dito cujo.
Nos bastidores, por meio de um espião que frequentou a Vila naquela semana que antecedeu a contenda, o esquadrão adversário soube do problema da escalação do Ferroviário e também tomou suas PROVIDÊNCIAS.
Enfim, chegou o domingo, dia do confronto decisivo. O Estádio Enéas Muniz de Queiroz (que foi inaugurado em 1° de maio de 1964) estava completamente lotado. As bandeiras do Ferroviário e da Liga Esportiva Regional Iguaçu tremulavam hasteadas em cima da caixa d’ água. A equipe do tricolor dos trilhos (camisas vermelha, verde e preta) atacava em direção ao gol dos fundos, enquanto o Glorioso Vovô (alcunha dada ao União por ser a equipe mais velha de Porto União da Vitória – foi fundado em 1921), com seu tradicional uniforme na cor encarnada (camisas vermelhas) atacava em sentido da caixa d’água, portanto o beque lateral e o ponteiro esquerdo craque duelariam bem em frente à arquibancada.
Quando a “deusa branca” rolou (as bolas eram na cor branca), logo no início da contenda, aconteceu o inesperado ou esperado. O ponteiro esquerdo da equipe visitante, orientado e sabendo que seu marcador era um tremendo pavio curto, bem em frente à massa torcedora, passou a mão na polpa da bunda do beque do Ferroviário. Foi mesma coisa que jogar gasolina no fogo. O beque lateral partiu para agressão e foi expulso gerando uma fuzarca danada. Com um homem a mais dentro das quatro linhas, o quadro do União venceu o cotejo e levantou o caneco de campeão.
Realmente, a equipe visitante tinha tomado PROVIDÊNCIAS.
Não vamos contar os nomes dos protagonistas, até porque, são octogenários, bisavôs, meus amigos e, fazem parte, como torcedores, do meio esportivo de Porto União da Vitória. São pessoas do bem, mas quando adentravam no tapete verde se transformavam e o bicho pegava. Fizeram e fazem parte da história boa do futebol da nossa amada terra.

Crônica publicada no Jornal Caiçara em 12 de julho de 2019.

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