Quem tem acompanhado o meu trabalho já percebeu que quando escrevo alguma resenha sofre o nosso futebol amador, principalmente antes do advento da Associação Atlética Iguaçu, friso que o nosso futebol era muito bom. E por ser bom, os campos sempre tinham lotação máxima e, como eu na maioria das vezes, ainda moleque, também estava lá e presenciava fatos, muitos deles hilários, como esse que vou contar.
Final da década de 1960. O palco do Estádio Municipal de Porto União, Mário Fernando Guedes (inaugurado em 09 de outubro de 1949), alcunhado como Maracanã do Oeste pelo timaço do Olaria, do Rio de Janeiro, quando se apresentou por aqui e ficou encantado dando esse apelido, estava completamente tomado para aquele espetáculo futebolístico do primeiro turno entre os contendores do Juventus F.C. (Nome em virtude de o seu presidente fundador ser torcedor da Juventus de Turim – Itália) e União E.C (Nome escolhido para homenagear os dois municípios pós-guerra do Contestado, Porto União e União da Vitória) pelo certame da Liga Esportiva Regional Iguaçu. Atuava pela escrete Juventino, na meiuca, um ex-jogador do União. Tinha abandonado o elenco da Baixada (Campo do União – Estádio Antiocho Pereira) e assinado para o Pó de Arroz (apelido do Juventus), pois nunca lhe fora dado uma chance pelo treineiro, Nestor de Andrade (Dinha). Não foi aproveitado no time titular do União porque existia uma panelinha ali, dizia ele. Mas, quem conhecia o elenco do Vovô (União time mais velho de Porto União da Vitória) sabia que no setor de criação só tinha craques como, Assunção e Betinho, que executavam a mesma função do agora atleta do Juventus, portanto, naquela posição dificilmente o técnico o escalaria, ainda mais, que ele também jogava com a “boca” e incomodava a arbitragem o jogo todo e, de uma hora para outra, poderia ir para o banho mais cedo e o seu esquadrão ficaria com um homem a menos dentro das quatro linhas. Pois o cara era uma figurinha carimbada e terror dos homens de preto (juízes apitavam todo de preto), que para se livrar do incômodo, muitas vezes já adentravam aos gramados premeditados a mandá-lo para rua. Só que ele batia um bolão, tratava a redonda com carinho, acariciava a peca e, ainda mais, era gente finíssima, caso precisasse ele tirava a camisa do lombo e dava para ajudar o próximo, mas quando pisava no gramado ele se transformava.
Para não variar, naquele cotejo, o jogador juventino se envolveu em uma jogada dividida e, o homem do referee, em cima do lance, incontinente trilou o seu apito marcando uma infração. No ato o boleiro do tricolor Pó de Arroz (camisas vermelha, verde e branca) foi para cima do juiz, reclamou dizendo que ele não sabia a regra e que aquela jogada fora normal, ainda mais, porque o mediador era um ex-jogador do União E.C. e estava favorecendo o oponente (O juiz era um ex-craque do União que quando jogava fez vários tentos em cobranças de tiros esquinados). Como o homem de preto estava apitando com um livrinho de regras de futebol por dentro do calção, tirou e esfregou o referido livrinho no focinho do jogador reclamão e, após um sururu danado, o mandou para o chuveiro.
Tendo tomado banho mais cedo e com a moringa um pouco mais fresca, eu disse um pouco, foi se assentar junto dos torcedores no barranco ao lado oposto da arquibancada. Pastavam por ali mansamente algumas ovelhas e um bode velho, que se alimentavam da relva e mantinham a grama baixa do entorno do campo. O craque juventino ainda de cabeça morna pela confusão que armou, pegou o bode pelos chifres e começou gesticular e a gritar chamando atenção do árbitro, dizia ele: Olha o que você é seu juiz ladrão de meia pataca. Ao ouvir as palavras dando a entender que o juiz era ladrão e chifrudo, a súmula da partida foi “carregada” onde o apitador relatou todos e mais alguns pormenores do acontecido. Como o futebol amador das cidades irmãs era regido pela Federação Paranaense de Futebol, o presidente da Liga (LERI – Liga Esportiva Regional Iguaçu) buscou respaldo no órgão máximo e após um julgamento, mesmo que a revelia, o atleta foi eliminado do futebol. Tal decisão deu um bafafá danado, alguns eram contrários à decisão, outros, que já tinham ojeriza do jogador, vibravam.
Pouco tempo depois o árbitro envolvido encerrou a carreira como apitador. O boleiro banido, então, procurou o ex-árbitro e como muito “chororô” pediu desculpas e perdão pelo ocorrido, pedindo inclusive que fosse retirada a queixa na Federação para que ele pudesse voltar a jogar bola. O ex-árbitro, ficou sensível e, com dó, disse que atenderia o ex-atleta desde que ele fosse até a sua casa e pedisse perdão para a sua esposa, pois ela se sentiu muito ofendida no fato e, que se ela o perdoasse ele também o perdoaria e retiraria a acusação na Federação. O jogador, então, foi pedir perdão para a esposa do juiz, só que a mesma disse que só aceitaria se o pedido fosse feito com ele ajoelhado e beijando os seus pés. Ele se acadelou, se ajoelhou e beijou os pés da mulher. Foi perdoado e, no próximo certame, com a intervenção do ex-apitador junto à Federação, atuou e, para não perder o costume, foi por muitas vezes tomar banho mais cedo, inclusive perdeu a cabeça em várias ocasiões partindo para agressão física. Que o digam os mediadores agredidos.
Hoje em dia o homem é só arrependimento e, como citei anteriormente, fora das quatro linhas ele é considerado um gentleman. Quando nos encontramos e, após umas cevas, o fato vem à tona, ele me garante que beijou somente o pé direito da esposa do juiz. Indagado que está mentindo, hoje ele já admite, beijou os dois e chorou de arrependimento diante dela. Como o nome do mediador e do boleiro não foram citados, você amigo leitor talvez tenha curiosidade em sabê-lo, é só ler o livro, recém-lançado, Bola de Capotão.
Matéria publicada no Jornal Caiçara em 26 de julho de 2019.