BEBENDO O CORPO

BEBENDO O CORPO

Coisas da bola

Coisas da bola são relatos de fatos vividos por mim, histórias contadas por amigos e outros frutos da minha imaginação.

Qualquer semelhança será puro acaso.

“Jair da Silva Craque Kiko”

Em um final de tarde muito frio, de um inverno do ano de 1975, quando Porto União da Vitória foi presenteada com gotículas de neve, após o treino coletivo na Baixada (Estádio Antiocho Pereira), recebi um telefonema na Sede da Associação Atlética Iguaçu avisando do passamento da mãe de um amigo, ex-atleta de futebol profissional. Foi-me dito que o enterro seria no outro dia, no início da manhã. O guardamento seria na capela mortuária ao lado do cemitério Municipal de Porto União e, o pessoal do interior, onde fora a última morada da falecida, viria em caravana para beber o corpo. Para dar apoio ao amigo optei por passar a noite velando a sua sogra defunta. Junto estavam vários ex-jogadores de futebol, bem como, atletas e pessoas ligadas ao esporte das Cidades Irmãs e Região. Como a noite estava muito fria e seria longa, para nos aquecermos, eu, o enlutado e alguns amigos, de tempo em tempo, tomávamos um gole de graspa (Cachaça), que estava em um litro escondido embaixo de uma palmeira, do outro lado da rua em frente da capela mortuária. Disfarçadamente, para ninguém perceber, um após o outro, atravessávamos a rua, tomávamos um talagaço e voltávamos para o velório. De tão frio que estava em poucas passadas já estávamos no terceiro litrão. Nas conversas madrugada adentro, percebia-se que a “mardita” estava comendo solta e fazendo efeito, pois em vez de velarmos a finada, literalmente estávamos bebendo a defunta e, eram só piadas e altas gargalhadas. Aquilo, em vez de velório parecia mais uma festa com torneio de truco. Se no cemitério ao lado tivesse algum “morto meio vivo”, com certeza não ia conseguir dormir e chamaria a polícia. A esposa do ex-atleta, agora órfão, além da tristeza por ter perdido prematuramente a querida sogra, virou num chapéu velho e ficou uma “jararaca da vida” com a fuzarca que tinha virado o guardamento. Escondida e bombeando por trás de uma cortina da pequena janela, descobriu onde estava a aguardente e, sem que ninguém notasse, foi lá, jogou fora a pinga e encheu o litro com água e sabão. A cada passo que alguém dava para atravessar a rua e dar uma bicada no litro ficava a expectativa para ver a reação do vivente. Notamos que cada um que tomava um golapaço de água e sabão, voltava para o velório, não contava nada para os demais e ficava observando o próximo a atravessar a rua. Só após o litro ter secado é que alguém se entregou contando o acontecido. A noite que era para ser longa passou rápida tamanha foi a gozação, aumentando a festa no velório. A fiasqueira maior foi na hora do féretro até a cova, pois dos quatro que seguravam as alças do esquife, três estavam moiados e, um deles tropicou e no desiquilíbrio o caixão foi beijar ao chão. Sorte que ele estava bem pregado protegendo a morta de cair para fora, mas que devido a forte batida no chão, com certeza, foi enterrada com dores na espinha.
Contou-me o amigo órfão na missa de sétimo dia, que como castigo, até aquela data, estava na seca, pois a sua patroa só dormia virada de costas.

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