PRÉLIO E DESBRAVAMENTOS DAS GRUTAS NO MORRO DA CRUZ
Todo domingo pela manhã, o esquadrão dos moradores do Morro da Cruz, formado na sua maioria por pessoal indígena, era esperado para uma pelada futebolística no nosso reduto, campinho situado no terreno do Sr. Lombach, que se localizava na esquina entre as ruas Santos Dumont e Conselheiro Mafra, em Porto União, quase em frente da residência do Beto Koguta, meu já particular amigo de tantas “cagadas”, que ajudaram os nossos pais branquearem os cabelos mais cedo.
Naqueles idos, deixando de ser um piá pançudo eu começava a demonstrar um pouco de força nos braços, que também por ser meio serelepe e ter muita elasticidade, era sempre escalado como guardião do arco do nosso quadro. Muito esperado, aquele prélio de domingo era sagrado, o duelo futebolístico tinha que acontecer de qualquer jeito, às vezes, mesmo com chuva, o elenco descia do morro e o “coro comia solto”. Mesmo tendo muitas rosetas (espinhos) naquele tapete não muito verde, todos descalços disputavam aquela bola de capotão número 5 com uma avidez absurda. Dedos destroncados e arrebitados, devido às bicudas na “moganga” era coisa normal.
Tentando mudar a rotina e a obrigação de todo domingo descer a ladeira para o cotejo, o onze do Morro reivindicou para que fossemos também pelear no seu reduto, pois não era justo somente eles pelearem nos domínios dos contrários, nós também teríamos que subir e disputar nas alturas. Então, ficou justo e acertado, domingo aqui e domingo lá, só que tinha um porém, nós teríamos que levar a nossa “redonda”, porque devido a forma geográfica das suas quatro linhas, a peleja teria que ter duas bolas, senão a disputa ficaria muito tempo parada, até alguém sair correndo pegar o capotão, porque muitas vezes rolava ribanceira abaixo. Com muito equilíbrio nos triunfos, subjugávamos em nossos domínios e sofríamos reveses na altitude.
Dessas tantas contendas, ganhei um amigo especial, o Inuribirivi. Entre várias resenhas, confidenciou-me, que por desentendimentos na família, principalmente quando a “marvada” de marca Tatuzinho tinha subido para a cabeça do seu progenitor, muitas noites teve que dormir em uma gruta perto de sua taba. Estarrecido e ao mesmo tempo cheio de curiosidades, eu quis saber tudo sobre a dita gruta. Mais curioso fiquei ao saber que eram três e que uma delas tinha sido morada de um santo no tempo da guerra e, nunca ninguém conseguiu chegar ao seu final e, segundo ele, a saída dela era em um outro morro do lado de lá do Rio Iguaçu.
De posse de um balde velho, eu e o Beto Koguta passamos nos galpões oficinas, da Rede Ferroviária, apanhamos restos de estopas cheias de óleo diesel, que eram utilizadas nas manutenções das máquinas que transportavam os comboios de cargas e passageiros. O plano urdido era fazermos tochas para adentrarmos e explorarmos as já tão famosas grutas. Lembro que na noite anterior à “expedição” o sono não veio, pois os pensamentos todos, eram só duvidas e medos sobre o que encontraríamos lá. Tinha que ser tudo bem planejado naquela aventura, mas não foi.
Ansiosos para que terminasse logo a aula naquela manhã no grupo escolar Balduíno Cardoso, eu e o Beto Koguta, na hora do recreio, recebemos emprestado das mãos do colega de aula, Joelson Branco, um avio (isqueiro) que seria utilizado para acendermos as tochas naquela tarde. Após o almoço, minha mãe estranhou quando comecei a lavar as louças rapidamente, pois geralmente eu tentava dar o nó nesse serviço. Tarefa feita, saí correndo, passei na casa do Beto Koguta e juntos, fomos em um capão de mato perto das nossas casas e apanhamos as duas tochas que deixamos escondidas.
Na rota para chegar às grutas, tínhamos que passar em frente da casa do tio do meu pai, Zeca Preisner, que morava perto, quase no pé do morro. O meu primo Gilberto ao nos ver passar, tirou suas conclusões de que estávamos aprontando alguma e, sem demorar muito, dedurou para o tio Zeca, que chegando do batalhão onde era Sargento, foi rapidamente contar para o meu pai. Preocupado, junto com o freguês que acabara de cortar o cabelo, os três tomaram destino ao Morro da Cruz.
Seguindo reto pela rua Teodoro Kroetz, já quase na metade da subida até o topo do morro, encontramos com o Inuribirivi, que nos esperava para mostrar o carreiro no meio do mato que ia até a entrada das grutas. Eu e o Beto, então, nos dirigimos até a boca das grutas e o Inuribirivi desceu o Morro indo até o centro das cidades para vender seus balaios. Após tomarmos um vareio do isqueiro que demorou para conseguirmos fazer acender, ateamos fogos nas tochas. Cada um com uma, se cagando de medo, com o Beto na frente, fomos nos deslocando dentro da gruta maior. Lá dentro, tendo andado tantos metros que já não se podia se ver a claridade da entrada, aranhas de vários tamanhos e sons parecidos com os emitidos por grilos foram o que vimos e ouvimos. Se preocupando em olhar para frente e para cima, nos descuidamos do chão, até quando, o Beto resvalou e caiu dentro de um pequeno poço ficando com água até às ancas. Após os nossos gritos pelo susto, a tocha do Beto tinha se apagado quando entrou em contato com a água. Nesse ínterim o avio tinha caído do seu bolso indo se alojar no fundo daquele poço, que me lembro bem, tinha a profundida do nosso tamanho, tínhamos 11 anos. Já com um cagaço dobrado, enquanto tentava tirar o amigo daquele buraco, não percebi que a estopa da minha tocha estava nos finalmente e, se apagou. Escuridão total. Como o meu amigo, eu também derrapei e caí dentro do poço e, calados, ficamos abraçados por um tempo que pareceu uma eternidade. Tremíamos mais que vara verde.
Procurando-nos, meu pai, meu tio e o freguês da barbearia encontraram o Inuribirivi no pé do morro e perguntaram se ele tinha visto por ali dois piás. Mais que depressa ele nos entregou em detalhes e, isso nos “salvou”. Deduzindo o que estava acontecendo, meu tio voltou correndo até a sua casa, ali perto, e providenciou uma lanterna. Lampejos de luz e gritos chamando pelo meu nome amainaram o nosso medo, não o medo do que viria pela frente, pois com certeza, eu levaria uma sumanta de laço. Não levei. Fomos retirados da gruta e, em frete dela, éramos olhados por nossos salvadores com um misto de admiração. O nosso feito não era para qualquer um.
Passados vários anos, servindo agora no quartel da Lapa, o tio Zeca mandou um telegrama para o meu pai nos convidando para ir a passar um final de semana na sua casa e, tirando um sarro escreveu também no telegrama: “Traga piá desbravador pt Gruta Monge Lapa inexplorada pt”.