Tudo começou naquela segunda-feira, quando já no clarear do dia, fui acordado pelo tilintar do meu telefone. Meio zonzo e mal acordado, atendi. Era o meu amigo anão, Artimino, massagista do nosso esquadrão, pedindo ajuda para que eu o levasse ao médico. Se cochando de dor, disse-me que não conseguia urinar e saia, constantemente, um líquido branco da sua uretra. Pelos sintomas relatados e sabendo que o anão era o rei da fuzarca e vivia em noitadas na zona do baixo meretrício, imaginei que seria uma doença venérea. Horas mais tarde, após contato com o nosso amigo doutor, médico que atendia a boleirada, levei o Artimino na garupa da minha bicicleta até o consultório. Não deu nem nega, eu tinha acertado em cheio o meu diagnóstico. Dando risadas, o doutor perguntou onde o anão andava colocando o seu “medonho”, pois estava com uma tremenda gonorreia, que se não fosse tratada, imediatamente, o seu bilau cairia. Nervoso e com muito medo Artimino disse para o doutor “pregar fogo” e receitar os remédios. Quando o médico, com um sorriso sarcástico, disse que iria cortar esse mal pela raiz ao aplicar uma dose única de antibiótico na sua nádega, me doeu até os ossos, principalmente, quando vi em sua mão uma Benzetacil 1200. Olhando o Artimino pelado e deitado com a popa da bunda para cima e com a perna boa amarrada à cama com um garrote, enquanto a sua perna mecânica tinha sido retirada e estava colocada encima de uma cadeira, pensei comigo, vai dar merda, o anão não vai aguentar. Contando causos para deixar o paciente à vontade, até porque, nem o médico acreditava que o anão aguentaria aquela “picada” e, mesmo com um dó danado, após ter alisado e esterilizado o local na popa, o doutor “fincou” a agulha “cavalar” daquela seringa. Sem dar bola para os berros do anão, com paciência o doutor ia injetando o líquido. Como consequência imediata o pequenino desmaiou e foi um alvoroço para fazê-lo voltar a si. Com o anão todo rengo, na garupa, empurrando a minha magrela, levei-o até sua casa e, enfatizei o que o doutor recomendou repouso e sem cachaça por 15 dias.
Como todo sábado pela manhã, fui na “boca maldita” de nossas cidades, um boteco no centro, para tomar um café e cornetar. Mancando ainda devido à injeção, também estava por lá o anãozinho Artimino, que confidenciou-me que estava louco para “firmar o pulso”, mas não podia, pois o médico também estava no botequim e com o canto dos olhos “bisoiava” ele, além de que, tinha que estar são, para nos massagear antes da contenda decisiva.
Meia hora antes do cotejo, já no vestiário, faceiro e dando risadas do sarro tirado pelos boleiros sobre o seu desmaio pela injeção, massageando as pernas dos contendores, o anão Artimino executou o seu trabalho como sempre, com perfeição.
Após um certame muito disputado, findando um longo jejum, naquela tarde, pudemos ouvir o grito da nossa torcida: É campeão! É campeão! Para comemorar a Taça, fomos presenteados com um festão em uma “casa das primas”, chamada de “Café no Bule”, onde toda bebida e comida, literalmente, seria boca livre. Esse foi o prêmio oferecido pelo cafetão e dono da “bocada” à comissão técnica e boleiros campeões.
Conversa vai, conversa vem e, xote daqui e xote de lá, com as quengas dançando e querendo nos seduzir, gritávamos para os garçons, manda mais uma, e quando a loura gelada chegava à mesa era um gritedo só. Como já estávamos pra lá de Bagdá, streptease, era coisa pequena, principalmente, quando o anão Artimino subiu no palco e começou a dançar desnudo. Devido ao adiantado das horas, os demais jogadores campeões já tinham “queimado o chão” em direção aos seus lares. Meio grogues, os últimos a se fazer presentes e, se sentindo os reis daquele randevu, era eu e o meu amigo anãozinho.
Os conhecedores da vida noturna sabem, que quando se abusa do álcool na boemia, com certeza vai ter confusão. E deu, naquela já avançada hora da madrugada. O meu amigo anão, já bem “cuzidinho” estava num namoro muito maroto com uma “mariposa” em um canto do salão. Nisso chegou o machão da dita cuja e exigiu que ela o acompanhasse. “O anão se queimou na parada e disse que não, pois ela estava bebendo com ele até àquela hora e só iria depois que “concluíssem” o namoro. Quando terminou de falar já tinha ido beijar a lona, tamanho foi o sopapo que levou. O dono da casa noturna interviu e, com dó, começou a dar de dedo no macho valentão. Nesse ínterim, eu e o Artimino, armamos o paletó, rapidamente, pela porta dos fundos. Tínhamos que atravessar um banhado para conseguir escapar, só que a cada passada as pernas ficavam atoladas até a altura das canelas. Como o anãozinho tinha uma perna mecânica, ela se soltou e ficou entalada no barro. Peguei a perna mecânica atolada, coloquei o amigo nas costas e quando saímos do banhado, paramos e encaixamos rapidamente a perna no corpo. Nessa altura, já quase clareando o dia, no meio do banhadão, dando tiros para o céu, o macho da dama da noite já estava quase nos alcançando. Saindo em uma desembestada correria eu consegui safar-me, mas o amigo Artimino foi alcançado e levou uns bofetões, pois na ânsia de fugir e devido aos goles tomados, quando fomos recolocar a perna mecânica, instalamos de maneira errada, com o pé virado para trás, portanto, o anão dava um passo para frente com a perna boa, a perna mecânica dava um passo para trás, consequentemente, não conseguiu sair do lugar.
Se quiser, acredite. Se não acreditar, passo o número do telefone do amigo Artimino, só não garanto se ele vai confirmar o fato.
Crônica publicada no Jornal Caiçara em 11/07/2020.