PERIPÉCIA DE UM FILHO E OS ADVERSÁRIOS NA “BOLA”

PERIPÉCIA DE UM FILHO E OS ADVERSÁRIOS NA “BOLA”

Coisas da bola

Coisas da bola são relatos de fatos vividos por mim, histórias contadas por amigos e outros frutos da minha imaginação.

Qualquer semelhança será puro acaso.

“Jair da Silva Craque Kiko”

Na prática do imemorial esporte Rei, muitos craques e perebas deixaram a sua marca dentro das quatro linhas, tanto cá como lá. Por aqui, no auge do amador bretão das nossas terras outrora contestadas, muitos ficaram marcados, não só pela qualidade no trato com a redonda, mas também pela animosidade ao seu oponente, muitas vezes trazidas de fora do tapete verde. O fulano não ia com a cara do beltrano e, no duelo futebolístico, essa demonstração de ojeriza vinha à tona.
Corria solto a pelada naquela manhã ensolarada de sábado, início da primavera, no Estádio Municipal de Porto União, conhecido como Maracanã do Oeste. Com os quadros escolhidos no famoso par ou ímpar, o ganhador começava escolhendo os seus colegas de esquadrão, privilegiando o guarda metas (arqueiro) e sucessivamente a cozinha (defesa), o setor de criação (meia cancha) e por fim o sistema de vanguarda (linha dianteira).
Já de tempos se apercebera que os dois contendores, contrários, eram desafetos no futebol e também adversários políticos. De um lado, Pelanca, peleador de linha, marrento, cavalo, se preciso chutava até a mãe e jogava com a boca, falava muito e, do outro, Bananão, arqueiro, metido a valente, assustava pelos gritos e tamanho descomunal, levaram mais uma vez para aquela contenda, as já citadas rixas.
Após um lançamento em profundidade, Pelanca adentrava a grande área na corrida para concluir o lance. O golquíper Bananão saia rápido de baixo dos três paus para tentar interceptar a pelota, propiciando um inevitável choque entre ambos, deixando-os estatelados no gramado. Mesmo com dores pela pancada, rapidamente, os dois se levantaram e, peito com peito, focinho com focinho se empurraram e, as mais baixas palavras de calão saíram de suas bocas com uma velocidade estrondosa. Com ofensas de ambos, marcaram os dois, para o final do duelo esportivo, outro duelo, lá fora das quatro linhas, onde iriam às “vias de fato”. Um gritava que era mais macho que o outro, enquanto o outro berrava que tinha muito “café no bule”. Acalmados, momentaneamente, a peleja reiniciou, mas os dois, mesmo à distância continuavam se injuriando. Prevendo uma refrega corporal após o bate bola, o presidente daquele grupo futebolístico ordenou que o Pelanca saísse da pugna antes e tomasse o rumo da sua morada. Mesmo a contragosto, ele escafedeu-se, mas não sem antes, com o dedo em riste, gritar para o Bananão, que iria aprontar uma boa para ele, pois o que era dele estava guardado.
Naquela noite, um dos filhos do Bananão, jovem já em final da adolescência, foi para a fuzarca, encheu os cornos e bateu o veículo Chevette do seu pai na traseira de um carro que estava parado na frente de uma casa na ZBM (zona do baixo meretrício). Mesmo com o poder etílico tendo tomado conta do seu cérebro, teve a clara noção que o bicho ia pegar quando o “Véio” visse a parte dianteira do carro arregaçada. Foi para casa e estacionou o carro bem lá no fundo da garagem, deixando o para-choque quase encostado na parede, o que, não permitia que uma pessoa transitasse por ali, portanto, não poderia ver o estrago na lataria frontal do chevetão.
Domingo pela manhã, Bananão sem perceber o carro amassado, pegou o Chevette e se dirigiu até o centro das cidades para tomar um cafezinho, bater um papo na Boca Maldita (bar frequentado pela boleirada) e comprar o jornal. Quando estava entrando no bar deu de cara com o Pelanca saindo, mas este, não perdeu a chance de dar um sorriso irônico para o arqueiro. Como a resenha com os frequentadores estava boa, já pelas duas da tarde, com a bexiga estufada de tanto tomar cerveja, Bananão resolveu ir embora. Ao se dirigir até o seu veículo, percebeu a lataria da frente do seu chevetaço, amassada. Tomado de ira, aos gritos, associou os estragos no carro como sendo autoria do Pelanca, afinal, ele tinha prometido que aprontaria. Chegando em casa, chamou a esposa e os filhos para virem ver o que o Pelanca tinha aprontado para ele. Todos ficaram horrorizados, menos o filho causador do dano, que sem assumir a cagada que tinha feito, tentava acalmar o pai para ele não pegar o trinta e oito e sair na cata do Pelanca. Já assimilando o estrago no carro, mais calmo, Bananão se recolheu, mas no seu íntimo, tentava bolar uma forma de vingança. Também mais calmo, o filho estava dando graças por não ter sido descoberto como o autor da batida do veículo.
No próximo sábado pela manhã, com o céu, totalmente, ensolarado, os amantes do futebol, novamente, foram com destino ao Maracanã do Oeste para mais uma pelada. Torcendo que nas escolhas dos quadros no tradicional par ou ímpar ficasse adversário do Pelanca, o guarda valas já tinha pensado, repensado e premeditado uma vingança “maligna”. O Pelanca pagaria por ter estragado o seu carro. Diferente das peladas anteriores, o goleirão não estava usando o seu tradicional par de kichutes, e sim, chuteiras com tarraxas de metal, altas, que são utilizadas em dias de chuva (mas chovia?). Em um ataque contrário pelo flanco direito de sua defesa, um chuveirinho foi dado para dentro da pequena área. Bananão saia para catar a redonda nas alturas. Pelanca que era bom no cabeceio e tinha boa estatura, subia para tentar derrubar a cidadela contrária. Não se sabe se por instinto ou pressentimento, sei lá, nenhum outro jogador dos dois quadros foi para dividida. E no alto, somente Bananão e Pelanca na disputa, o dianteiro pela bola do jogo, o guarda metas pela “bola da cabeça” do dianteiro. Lá em cima, em vez de socar a pelota, o arqueiro com o punho fechado socou a cabeça do avante. Ainda no ar, mas já nocauteado, Pelanca caiu como uma trouxa, e no chão, teve também sua cabeça perfurada pelas travas de metal de uma das chuteiras do Bananão. Com muito sangue pela cara, Pelanca foi levado até o hospital no Alto da Glória, mas por sorte a machucadura não foi grave. Contra a vontade da maioria a pelada daquele sábado foi encerrada. Diante de todos os fatos, uns apoiavam o arqueiro, outros o avante.
Chegando em casa, sentado para almoçar com seus familiares, Bananão contou o seu feito no campo, frisando que tinha se vingado pelo que o Pelanca tinha feito com o seu carro. Diante do relato do pai, o filho, autor da batida do carro, vomitou em cima da mesa.
Essa pendenga nunca foi resolvida e os dois principais litigantes protagonistas desse fato, maduros, mas ainda novos, já foram para outras paragens, podem estar juntos no Jardim do Éden ou passando muita quentura na casa do capeta, mas o principal causador da treta, o filho do Bananão, como forma de desabafo, pela vez primeira contou o ocorrido, quando estávamos “sextando” em um bar, após termos enchido a cara de cerveja. É bom que se deixe claro, que mesmo tendo nomes fictícios,o texto foi escrito com anuência dele.

Matéria publicada no Jornal Caiçara em 28/08/2020.

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