Do escritor da periferia – Craque Kiko.
Meninos de tudo, com aquele cobertor surrado pelo uso de muito cobrindo até nossa cocuruta naquela manhã fria, não queríamos levantar. Ficar mais tempo deitados naquele colchão de palha era o que desejávamos, eu, o mais velho de uma prole de seis, e o segundo, que dividia a cama comigo. Afinal! Era sexta-feira Santa. Dia de silêncio e tristeza. Lavar o rosto e pentear o cabelo, nos era proibido. O jejum pela manhã em homenagem ao Criador sacrificado por remissão das nossas faltas era sagrado, como também era sagrado o terço a ser rezado ajoelhados ao redor da cama.
Reza terminada, enquanto nossa mamãe fazia o almoço, naquele dia a gula tinha que ser deixada de lado, simplesmente tínhamos a autorização de somente dar uns beliscos para salgar a pança. Sentados ao lado da mesa na cozinha, embora já soubéssemos de cor e salteado, ouvíamos ela contar novamente como foi a crucificação do Filho do nosso Papai do Céu.
Na tarde, colocávamos aquelas mesmas roupinhas de anos seguidos, que cortadas de peças ganhas de parentes, eram costuradas na máquina de costura pela nossa amada mamãe. Às três horas da tarde, lá estávamos sentados no banco da igreja no Alto da Glória, adorando a Deus e se penitenciado. Pequenos de tudo, éramos muito observados pelos frequentadores daquela igreja, e até hoje, não sei, se por estarmos sentadinhos um ao lado do outro como se fosse uma escadinha, do maior até ao mais pequerrucho, ou por estarem reparando que as nossas vestimentas eram as mesmas de anos anteriores.
A espera pela noite daquela sexta-feira era ansiada. Que chegasse logo a meia-noite. Já tínhamos os porretes escondidos embaixo do assoalho da varanda. O judas traidor que se preparasse, seria malhado sem dó. E, assim, com nossa mamãe e papai apoiados no parapeito da grande janela frontal observando, o judas traidor feito pelos vizinhos e pendurado em um poste de luz nas proximidades, apanhava até se desmantelar.
A vida seguiu. Papai, mamãe e nossa única irmã ascenderam. Abençoados nesta terra abençoada, eu e meus irmãos teimamos e ficar por aqui, aceitos pela sociedade.
