A cancha de cimento da igreja metodista era muito concorrida. Pagava-se por hora uma peleia. Aquele bando de amigos tinha um horário cativo. Depois dos cotejos, mesmo uns saindo da quadra todo esfolado a vaquinha corria solta, pois o guardião daquela cancha ficava ao lado esperando pela verba. Todos colocavam a mão na algibeira, menos um. Ele, sempre na surdina, azulava o pé na rapidez para fugir do compromisso, e o pior, por chutar um pouquinho melhor que os demais, se achava o rei da cocada preta. Nunca contribuía e a turma já estava com ele pelo gargalo.
O dezembro ia pela metade. Papai Noel já andava pelas veredas da city distribuindo guloseimas para a piazada. Ficara acertado para aquela noite, que após futebol de salão, eles se ajuntariam para um encontro de confraternização, onde uma baita costela estava sendo assada em uma churrasqueira lá na sede do Ferroviário Esporte Clube. Também, na calada daquela boca de noite, uma sacanagem estava sendo tramada para aquele indivíduo “nó”.
Enquanto alguns peleavam em quadra, um participante daquela turma, premeditadamente, às escondidas, pegou o agasalho daquele fulano que estava pendurado em um cabide no vestiário, e na correria, rumou até a sua morada e passou aquelas vestimentas de frente e no lado avesso nas partes íntimas da sua cadela tomba- lata que estava com o “chico”. Lambuzou-a, de fio a pavio, e como um raio, devolveu-a ao cabide do vestiário.
Terminada a pelada, cuidado pelo rabo das vistas dos demais, como sempre, sorrateiramente após vestir o seu agasalho, o fulano armou o paletó para não participar da vaquinha. Enquanto caminhava a pé até onde o costelão estava sendo assado, ouvindo ganidos sofria o assédio sexual de treze cachorros, que com os bilaus já para fora, vermelhos parecendo sangue vivo, a ponto de bala, investiam para riba dele, fazendo-o passar a maior vergonha.
Com os demais membros do grupo ao redor da quadra e se preparando para irem comer a dita costela, do nada, eis que o guardião da quadra aparece com um barril de chopp. Disse ele, que era um presente do pastor por sempre pagarem corretamente o horário. Esgualepados depois daquele bate bola sofrido, com aquele chopp descendo redondo, a turma esqueceu da costela e enquanto não secaram o barril permaneceram ali.
O álcool tinha tomado de vez as cacholas. Faceiros igual égua com dois potrilhos, com a pança começando a roncar de fome, rumaram para o Ferroviário para saborear a costela. Chegaram lá e se atracaram a comer. Por incrível que pareça, aquele fulano, já trocado, vestido com roupa de missa e cheirando a perfume barato estava comandando a churrasqueira. Sem comer nenhuma lasca daquele assado, como um legítimo garçom passou a servir e atender solicitamente a cada um. Alguém ainda meio lúcido se deu conta. Algo ali não estava nos conformes. Aquele fulano nunca fora assim. Aquilo era muito milagre para pouco santo.
Totalmente abastecidos, comprovado pelos arrotos, sentados ao redor daquela grande mesa jogando palavra fora, alguém caiu na asneira de perguntar para aquele fulano se ele tinha sido mordido por um ou vários cachorros loucos para ter tido tamanha transformação, pois ele era um verdadeiro chute no saco. Rindo e vibrando internamente, com uma satisfação danada pela vingança conseguida, ele confessou. De começo tinha ficado puto da vida quando descobriu a sacanagem que tinham feito com ele, mas que aquilo fora pouco com o que ele tinha rapidamente aprontado para eles. Parecendo ter um bicho carpinteiro de curiosidades, todos o pressionaram para que contasse.
Narrando com um sorriso jubiloso e ao mesmo tempo sarcástico, ele confidenciou:
– Fui o primeiro a chegar por aqui. Como o assador tinha um compromisso e vocês estavam demorando, me propus a ficar cuidando da costela, pois me garantiu ele que a carne estava bem assada e estava sobre um pequeno brasido somente para mantê-la aquecida. Nisso, vi um baita gato preto, que seguido por uma gata mourisca estavam com água na boca cobiçando o assado. Não me fiz de rogado e não tomei nenhuma atitude quando eles pularam por cima da carne e começaram a comer. Como vocês demoraram muito, até para tirarem uma pestana deitados por sobre a carne, eles também não se sentiram rogados. Acho que por serem gulosos comeram demais, e enquanto tiravam uma soneca, podia-se ouvir o ronco dos dois bichanos. Somente tomei a iniciativa de espantá-los quando vocês chegaram. Agora me digam? Estava boa a carne misturada com pelos de gato?
Inevitável foi o vômito de todos. Para não ter a alma ardida no mármore do inferno e não ter que procurar alguém para encomendar o corpo, pois se ficasse por ali teria uma finação, o fulano a passos de corredor picou a mula. De forma unanime ele ganhou um cartão vermelho vitalício. Teve que procurar outro bando onde pudesse pertencer. Arrumou uma vaguinha para chutar no Campinho do Pé Sujo, lá para as bandas do Frigorífico Calomeno em um dos cantos do majestoso rio Iguaçu.
