O sonho estava prestes a se realizar. A tão almejada titularidade no elenco iguaçuano aos poucos estava se materializando. Arrebentando nos treinamentos e sendo lapidado pelo, então treinador, Juvenal , eu me via na eminência de ser escalado para sair jogando uma partida pelo campeonato paranaense daquele ano de 1975.
Então, o esperado momento chegou. A notícia de que estrearia no próximo confronto, contra o Operário em Ponta Grossa, me foi dado na sexta-feira à noite. Bastante orientado pela comissão técnica e colegas titulares, no sábado pela manhã, no treinamento coletivo apronto, eu já estava fardado com o uniforme do time principal e ostentava na camisa o número 3, jogaria de zagueiro central.
Tudo transcorria normalmente naquele treinamento, até que, em um lance onde fui antecipar uma jogada, o atacante da equipe reserva de nome Didi Maravilha, dividiu por cima da bola e pegou o meu tornozelo com a sola de metal da sua chuteira.
Estendido no chão e em prantos devido a forte dor, fui atendido rapidamente pelo massagista Casquinha e pelo Dr. Barbosinha, sendo retirado de maca e encaminhado ao Hospital São Brás para exames.
Diante do fato, o treinador expulsou o avante Didi Maravilha do treino e já na segunda-feira o atleta foi dispensado pela diretoria, pois com sua atitude, tinha postergado e quase interrompido precocemente a carreira de um atleta, que segundo muitos, tinha um futuro promissor e poderia com sua venda encher os cofres do clube.
Pelo tamanho da entrada desleal, mesmo com tratamento fisioterápico intenso, eu ficaria afastado dos treinamentos por um mês.
Alijado de poder estrear naquele domingo na cidade de Ponta Grossa, resolvi visitar um tio que residia em Felipe Schimdt, distrito de Canoinhas-SC, meu local de nascimento.
Chegando lá, não encontrei ninguém em casa. Recebi informações de um vizinho que todos estavam na raia (local de corridas de cavalo), pois naquela tarde haveria uma penca (corrida entre dois cavalos), as apostas eram grandes e haviam pessoas de todos os lugares para assistirem ao desafio. Informado o local da raia, lá fui eu procurar o meu tio. Encontrei-o no local da partida dos cavalos, pois a penca estava prestes à começar.
Quando o meu tio me viu, se dirigiu rapidamente ao meu encontro dizendo que fui mandado por Deus para estar ali naquela hora. Em poucos minutos me explicou sobre a corrida e que sua égua pangaré estava correndo por fora contra um cavalo Mangalarga da cidade de Palmas. Disse ainda, que tinha apostado todas as suas economias na sua égua e que as apostas estavam contra em 10 para 1, mas que conhecia e confiava no seu animal. Só que a sua égua era péssima de largada o que na maioria das vezes decidia uma corrida e que era ai que eu o ajudaria. Salientou que a catimba e malandragem que faria, daria a vitória e que era algo que ninguém deveria saber e somente uma pessoa da família saberia guardar segredo, pois se alguém descobrisse poderia ser caso de morte. Com muito medo, disse que o ajudaria se não me complicasse a vida. Ele garantiu que não complicaria, era só ficar de bico calado. Diante da fria que tinha entrado, fiquei me perguntando o porquê de estar ali e, fiquei maldizendo o boleiro que tinha me machucado.
Com os animais em seus respectivos lugares de partida, notava-se claramente porque as apostas eram contra a égua pangaré. Feia e desmilinguida, contrastava com o cavalo Mangalarga, que todo trajado exibia um belo porte físico e pela aparência a corrida seria um “mamão com açúcar”.
Em mais uma conversa reservada, o meu tio me deu um cabo de madeira com um prego bem pontiagudo na ponta. Me explicou que juntamente com o largador da corrida (a pessoa que daria um tiro para o alto para os cavalos iniciarem a corrida), eu teria que dar uma cutucada na anca da égua, somente assim o animal daria uma boa largada, pois após isso ele tinha certeza absoluta que a égua pangaré deslancharia.
Um outro fato que observei, foi o meu tio pedindo permissão ao dono do cavalo adversário, para conversar com a égua antes da largada. Com a permissão dada, meu tio se ajoelhou perto do focinho da eguinha e começou a conversar fazendo carinho. Para um bom observador como eu, tinha notado que ele tinha empastado a sua mão esquerda com uma pomada transparente e disfarçadamente passava nas narinas do animal.
As cercas laterais da pista estavam apinhadas de pessoas aficionadas neste tipo de esporte. Com o silêncio quase sepulcral, o largador apontou a arma de fogo para cima e deu o tiro de partida e os animais pularam e iniciaram a carreira. Se eu já estava com um cagaço, a minha tensão ficou maior, pois me desconcentrei e quando dei por mim os animais já tinham partido e não cutuquei a égua. O medo generalizado tomou conta de mim quando o meu tio veio correndo em minha direção. Fiquei preparado para os bofetões que ganharia. Mas ao contrário, ele me abraçava e gritava: Ganhamos, ganhamos… ganhamos por meio focinho.
Surpreso e aliviado, confessei que tinha vacilado na partida dos cavalos e não tinha cutucado a égua. O meu tio respondeu que então o que tinha funcionado era o plano B. Falei para ele: “A pomada que a égua cheirou?” Dando risadas ele disse: Que pomada!