DESDE ANTIGAMENTE, FOI MAIS QUE CHUTAR UMA BOLA (2)

DESDE ANTIGAMENTE, FOI MAIS QUE CHUTAR UMA BOLA (2)

Coisas da bola

Coisas da bola são relatos de fatos vividos por mim, histórias contadas por amigos e outros frutos da minha imaginação.

Qualquer semelhança será puro acaso.

“Jair da Silva Craque Kiko”

Disputando um certame de futebol do interior de Porto União, o quadro do Legru (nome fazendo alusão a Hector Legru, empresário francês que foi sócio de Percival Farquhar na construção da Estrada de Ferro São Paulo/Rio Grande) resolveu investir em um treinador e um boleiro de fama. Informados pelo Sr. Armando Sarti, presidente do Tricolor Pó de Arroz Juventino, que em Felipe Schmidt tinha um treineiro e um craque dianteiro que desiquilibrava dentro das quatro linhas e era nato estufador de redes. Diante das informações, eles se encaixariam como uma luva no esquadrão e, conforme a grana dada, eles viriam correndo tudo para defender o Legru.

Após contato via telegrama, lá se dirigiram de trem para a localidade de Felipe Schmidt, o presidente do Legru e o meu compadre Vardo (um baita corneta). A prosa aconteceu em uma bodega ao lado da estação de trem, perto da olaria dos Piotrowski, onde também estavam o presidente da agremiação local, o treinador e o craque goleador que era afilhado do presidente. Bebendo uns talagaços de graspa, tomou a palavra o dirigente de lá, que disse: Se levarem o meu afilhado para jogar, deixo também o nosso plantel a disposição do seu quadro, garanto que a “opção” é de vocês. Nisso, para aparecer, o meu compadre Vardo se meteu no papo e foi falando: Agradecemos por deixar a disposição o plantel, mas poderia dar mais detalhes sobre esse jogador “OPÇÃO”, ele chuta com as duas, bimba forte e testa com os olhos abertos? Vendo o“caxão” que o metido do meu compadre tinha dado, o presidente do Legru pediu para ele se retirar e que fosse à estação comprar as passagens de volta. Após mais um pouco de prosa, a peso de ouro, o Legru contratou o treinador e o dianteiro.

O treinador e o craque morariam na casinha localizada nos fundos do campo e se alimentariam na bodega da dona Lídia. Teriam direito as passagens de trem quando precisassem viajar para sua localidade, também poderiam passar um telegrama por semana aos seus familiares.
Já instalados, se aclimataram e conheceram os arrabaldes. Na semana da estreia, o técnico ficava na parte alta do pequeno barranco ao lado do campo anotando alguma coisa em um caderninho. Confidenciou-me o compadre, que o artilheiro vinha treinar com um bafo de cachaça, que se acendesse um palito de fósforo perto do seu focinho sairiam labaredas. Ainda mais, comentavam que ele estava passando as noites na gandaia. Tentando pegar o craque no flagrante, o meu compadre, na boca da noite da véspera da partida de estreia, subiu em uma árvore na frente da casinha, se ajeitou num galho e ficou bombeando. Ocorreu que com o passar das horas ele adormeceu em cima da árvore, quando acordou levou um susto e despencou de prancha, deslocando a anca esquerda, não podendo viajar em cima do caminhão para assistir o jogo na localidade vizinha do Maratá, pois na cabine já tinham lugar garantido, o treinador e o craque artilheiro.
A torcida se apinhava para assistir o cotejo, pois a fama dos dois tinha corrido todo o interior. Embaixo de uma árvore, atrás de uma das goleiras, o treineiro legruense explicava a tática de jogo. Com um campinho em miniatura, coisa nunca vista até aquele dia, e tampinhas de garrafas que simulavam jogadores, ele explicava: Olhem! Marca aqui, aproxima ali, corre lá…e vejam que no meu esquema nós vamos ter sempre um jogador a mais. E insistia que sempre sobrava um jogador. Prestando atenção, o capitão percebeu que no time tinham doze tampinhas, e como era bocudo, abriu o “jacaré” e falou: “Também com doze jogadores sempre vai sobrar um”. Todo mundo baixou a cabeça pelo constrangimento causado. O treinador, meio sem jeito, retomou a palavra e pediu, então, para que esquecessem suas orientações e jogassem o que sabiam.
Era só chutão para o mato por parte do onze do Maratá. A bola vivia mais no milharal do que dentro de campo. No elenco do Legru tinha um ponteiro chamado de Marrequinha. Baixinho metido, malandro e catimbeiro. Durante os tiros esquinados, ele pegava um punhado de areia e jogava nos olhos do arqueiro. O nanico era do peru. Em uma das arrepiadas pela lateral, o balão de couro foi parar novamente no milharal. O Marrequinha foi correndo pegar, e não há de ver, que achou uma bola de bolão no meio da plantação, pegou-a, e em vez de arremessar a bola de futebol, jogou a bola de bolão. Um becão contrário meteu a canela na bola de bolão e, com um calombo do tamanho de uma mimosa, em prantos e gritos, desmaiou. O pau cantou entre os jogadores. O povaréu invadiu o campo, que de grama não tinha nada, sendo que o maior estrago foi feito pelas mulheres com suas sombrinhas. Com os ânimos arrefecidos e muito jogador já com o lombo ardido de tanto levar sombrinhadas, a peleja prosseguiu e o Legru foi derrotado.

Na volta para casa, o treinador e o craque perderam a vaga na cabine, voltaram em pé na carroceria do caminhão. O treinador foi demitido após aquela única partida e, levou junto, de lambuja, o ponta de lança (boêmio e pinguço). Assumiu novamente o comando da equipe, o querido presidente. Para não variar, o meu compadre Vardo, em franca recuperação da anca, continuava cornetando.

 

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