Naquele dia se fez o drama. Aquela tarde era triste como um vento desembestado na terra. A mudança da luz do Sol para um escuro de tudo, vinha logo. Tudo viraria treva. A tempestade, logo ali. Nuvens enormes e pesadas se batiam num horizonte. Um trovão estrondou em cima do seu barraco. O vento que começava a ficar forte bulia com os arvoredos que se mexiam de um lado para outro. Um aguaceiro era eminente.
As baterias de fogos de artifício, prontas. Poucos minutos antes dos ponteiros dos relógios se encavalarem na meia-noite elas começariam a espocar. O Papai Noel já se fora há dias. Para muitos ficou somente o saco vazio. O ano velho, também, já, já partiria para sempre. O novo, conforme previsões, literalmente, começaria com um temporal.
Olhando para as alturas, entre lágrimas ele estava colocando dúvidas naquilo que sempre acreditou. Sua fraca fé, cada vez mais enfraquecia, estava indo embora. Ele travava uma peleia interna, relutava muito consigo mesmo. Não queria dar o braço a torcer, mas estava se cagando de medo, de tudo. Estava jogando os panos. Estava na pior, desmoronando. Aquele ano fora difícil de tudo.
No seu único cômodo, viu a sua amada com o avio acender uma enorme vela branca, e junto com seu único bacurote, ajoelhados e contritos, após o sinal da cruz, rezavam. Escutou ela pedir proteção aos céus. Viu ela pegar aquele vidrinho de água benta e aspergir naquela repartição de chão batido. Ele se viu sensibilizado, se comoveu. Ajoelhou-se também. Teve consciência da sua fraqueza. Pediu perdão, se penitenciou. Não podia se entregar, tinha algo pelo que e por quem lutar.
Os ponteiros encavalaram. As baterias espocaram de montão na cidade. Como um passe de mágica, o temporal se fora. A lua cheia foi iluminada pelas estrelas que se acenderam rapidamente no firmamento. Era o ano novo, de muita esperança, que acabara de chegar. O bacurote subiu na cadeira de palha. Na ponta dos pés retirou a folhinha pendurada por um prego na parede. A mãe lhe alcançou aquela ganha na bodega. Era o ano de folhinha nova. De vida nova. Sabia-se, de muita luta, mas não bateriam à lona. Buscariam um Feliz Ano Novo. E, assim o fizeram. Eles tinham uma família.