Do escritor da periferia – Craque Kiko.
Um fulano de posses. Ele perambulava entre a elite e proletariado, mas entre a classe menos abastada é que se sentia a vontade. Amigo dos amigos, sociável e de uma humildade a toda prova. Sempre que lhe solicitado uma ajuda, o fazia com gosto. Era muito conhecido em toda a região. Visto com um baita futuro político. Diziam, seria um prefeito, um deputado e até um futuro político nas mais altas esferas, por que não!
Adorava uma caçada, tinha cães bem treinados. Corrida de cavalos, então, o fazia vibrar. Agora, em um rinhadeiro, seus galos de briga eram dos bons, muitos troféus faziam parte de sua galeria. Isso é um pouco do que era o Ivan. E, é sobre ele e briga de galo essa narrativa.
O povo entupia aquela rinha. Aquele ar enfastiado de catinga dos penosos, enfumaçado pelos amantes do fumo em corda, era conhecido daquela gente, que saído da raia, ali perto, já com muitas biritas pela cachola, vinham terminar aquele domingo assistindo a enorme peleja entre o invicto e famoso galo branco do Ivan. O oponente era um não menos famoso galo, também sem ter nunca conhecido um revés, da localidade conhecida como Três Barras, cidade vizinha da capital da erva-mate, Canoinhas.
Já ia para duas horas a luta, pau a pau. Era uma briga de gigantes, mas o galo visitante, tinhoso e técnico, até parecia que teve aulas, esporeava e dava bicadas certeiras. O galo branco após um pialo estava com um olho cegado, mas ainda peleava de igual para igual, até que, não deu mais para ele. Um contragolpe do visitante fez vazar a outra vista. Ai, foi uma verdadeira saraivada de golpes, mas resistia, e nas escuras tentava revidar. Seus golpes iam ao vazio, não achava o seu algoz. Perto de três horas de uma verdadeira judiaria, sempre em pé, valente, sangrando muito e só com a capa da gaita, o galo branco todo estoporado não jogava os panos. Não fazia parte de sua natureza se entregar. Então, o Ivan, jogou a toalha e assumiu a derrota.
Zenóbio, um senhorzinho, amante inveterado de prélios galináceos, que não perdia de vista nenhuma contenda naquela rinha, pediu para si aquele galo branco, que na visão de todos, tinha adquirido a aposentadoria por invalidez. Ganhou o galo, e ouviu com tristeza do Ivan – faça um bom ensopado. Mas, Zenóbio, que pela experiência de vida, muitas vezes enxergava além muros, tinha outros planos para aquele galo. Vira nele uma raça fora do comum, pois aguentar em pé quase três horas de peleja, totalmente cego e levando pialo a briga toda não merecia ir para a panela.
Antibióticos, banhos mornos, pomadas nas feridas, massagens com catinga de mulata e muito rango bem vitaminado, passou a ser o dia a dia daquele galo. Em três meses, com cegueira total, estava recuperado da sumanta levada no seu último combate. Foi fechado a sós em um pequeno galinheiro com uma galinha forte, botadeira, que se achava a rainha da cocada preta. Fez valer o seu instinto de macho. A cruza foi inevitável. No primeiro e único ovo daquela galinha periguete, deu o ar da graça neste mundo, um pintinho totalmente com penugens brancas, que a cada dia se via, saira igualzito ao pai. Ele cresceu, e Zenóbio com seu vasto conhecimento o pôs em treinamento puxado. Vira naquele galo um futuro promissor, que poderia lhe dar muita mufunfa, mas não era só esse o seu interesse. Atou uma briga em altas cifras com aquele famoso galo de Três Barras, que ainda seguia invicto dando troféus e dinheiro para o seu dono.
Mais uma vez o rinhadeiro estava apinhado. Era a última briga daquele domingo. Mesmo sem terem visto o galo do Zenóbio, as apostas eram dez contra um favorável ao galo visitante e famoso.
Como se fosse um prélio futebolístico alguém deu um apito para começar a renhida luta. Não foi renhida. Em poucas passadas, com golpes certeiros que pareciam igual a jogadas ensaiadas, o galão invicto beijou a lona e ficou estrebuchando. Era como se fosse uma vingança, aquele galo do Zenóbio vingara o galo pai.
Abismado pela valentia daquele galo, o Ivan quis saber de onde ele surgira. Zenóbio contou toda a história, tintim por tintim e lhe deu de presente, pois aquele penoso era filho do galo que ele lhe dera para fazer um ensopado.
Naquela segunda-feira, ao viajar para o litoral para dar cuidados a uma de suas empresas, viajando tranquilo, Ivan teve o seu bilhete de passagem vencido, era a hora do seu desembarque. Do nada, uma encosta desmoronou e caiu sobre o seu veículo. Ele desencarnou, e deste chão terreno, sob o comando de Zenóbio, não pode ver as glorias daquele galo, que passara a ser chamado de galo do Ivan.
