O FUTEBOL SOCIALIZA E AMOLECE CORAÇÕES

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Coisas da bola

Coisas da bola são relatos de fatos vividos por mim, histórias contadas por amigos e outros frutos da minha imaginação.

Qualquer semelhança será puro acaso.

“Jair da Silva Craque Kiko”

Em um final de semana qualquer, morando no distrito de São Cristóvão, lá no bairro Nossa Senhora da Salete, pedi para a minha filha, de nove anos, que fosse até a bodega próxima de casa para comprar algumas coisas. De volta e com a compra feita, recebi dela o troco devolvido pelo bodegueiro. Percebi que ele tinha se enganado, pois o valor em dinheiro que eu tinha dado para a minha filha era pouco comparado com o troco recebido, perto cem vezes mais. Ficou evidente que o dono da bodega tinha se enganado, era como se eu tivesse dado dez reais para pagar cinquenta centavos e, o dono do armazém tivesse devolvido o troco referente a cem reais. Fomos então, eu e a minha filha devolver o dinheiro que viera a mais. Expliquei o ocorrido e devolvemos o dinheiro para o bodegueiro e voltamos para casa.
Passados alguns dias, em uma segunda-feira pela manhã, ao pegar a minha bicicleta para ir trabalhar, notei que ela estava com um pneu vazio. Sem outra opção para não chegar atrasado ao serviço, teria que pegar o lotação. Quando estava chegando perto do ponto de embarque, ao abrir a carteira percebi que não tinha nenhum tostão, daí lembrei que tinha dado o dinheiro para a minha esposa. Desesperado, pois o cobrador não deixava ninguém passar na catraca do ônibus sem pagar e, sem outra opção, me dirigi até aquela bodega (onde tinha devolvido o troco a mais) que ficava em frente ao ponto de ônibus. Expliquei para o conhecido bodegueiro o meu problema, pedindo a ele se teria como me emprestar o valor da passagem e que no final da tarde, quando voltasse do trabalho eu lhe devolveria. Sem me fitar, em tom enfezado ele disse que não, enfatizando de que ali não era a casa da sogra. Perguntei então se ele poderia fazer a gentileza de trocar um cheque, pois não poderia chegar atrasado ao trabalho. Novamente ele disse não, acrescentando à sua fala as palavras, “te vira”. Sem outra opção, a pé, andando numa passada de quase corrida, cuspindo fogo de brabo, segui em direção ao meu trabalho localizado lá no outro lado da cidade, no bairro São Bernardo. Por sorte, ao chegar à Ponte Machado da Costa, encontrei um amigo, que de bicicleta também ia trabalhar no centro da cidade e me ofereceu uma carona me levando sentado na garupa.Chegando ao seu trabalho no centro, ele me emprestou a bicicleta e fui para o Bairro São Bernardo. No final da tarde lhe devolvi a bicicleta.
Naquele ano ainda, tentando dar vida a um projeto antigo, aluguei a quadra do Ginásio de Esportes do SESI de União da Vitória e montei uma escolinha de futebol de salão para uma piazadinha até doze anos. Conhecido que era no meio esportivo, logo fiquei cheio de alunos e, andava nas competições pelas cidades igual uma galinha rodeado de pintinhos, tamanha a quantidade de piás. Fazendo parte da escolinha estava despontando um menininho de apelido Coalhada. Era um gato embaixo dos três paus e já chamava a atenção de desportistas, que não perdiam sequer um treinamento para ver a atuação do molequinho. Em muitos prélios levou o nosso timinho nas costas. Fechava o gol.
Em certa ocasião fomos convidados para nos apresentar em Valões, hoje município de Irineópolis – SC. Atado a contenda, pedi para os meninos, que naquela sexta-feira de treinamento, trouxessem os pais para conversarmos e darem a autorização para os boleirinhos se deslocarem no sábado até o local do cotejo. Todos os responsáveis vieram, com exceção do pai do arqueiro Coalhada. Disse-me chorando o guri, que o pai tinha vindo até a entrada do Ginásio e quando me viu virou as costas e se mandou embora. Para acalmá-lo, disse para não se preocupar que eu ia prosear com o pai dele, até porque, ele tinha que autorizar para o menino ir junto até Irineópolis. De posse do endereço, depois do treino fui até a casa do dito pai. Tamanha foi a minha surpresa, quando fui recebido no portão pelo pai do goleirinho, pois ele era o dono da bodega lá de São Cristóvão, aquele que devolvemos o troco dado a mais e que não quis me emprestar o dinheiro para o lotação e nem quis trocar um cheque meu. Como se o estivesse vendo pela primeira vez, me apresentei e pedi a autorização para o menino ir junto jogar lá em Irineópolis, explicando que os demais pais iriam junto e se ele quisesse também poderia ir. Após pensar um pouco ele autorizou a ida do menino e ainda se comprometeu de levá-lo. Durante a partida no sábado, o guapinho Coalhada fechou novamente a sua meta. Pegou tudo, talvez motivado pela presença do seu pai, que pela vez primeira o via atuar de guarda redes.
Na sexta-feira seguinte, após o treino no Ginásio do SESI, o goleirinho Coalhada disse-me um recado que seu pai mandara. Era para eu fazer o favor, se pudesse, domingo pela manhã, passar na casa dele para termos mais uma prosa. Confirmei para o menino que iria. Domingo pela manhã, chegando à casa fui recebido pela mãe do garoto, que pediu para eu entrar e sentar no sofá da sala. Acomodado, vi quando ela com lágrimas nos olhos me entregou um pacote grande. Disse-me que era para o time da escolinha e que era para abrir o pacote somente quando estivesse na minha casa. Surpreso, agradeci e, tendo terminado o assunto fui embora. Ao abrir o enorme pacote, além de vinte camisas, calções, meias e duas bolas, também tinha um bilhete do pai do Coalhadinha. Escreveu, que se sentia envergonhado por ter sido egoísta quando pedi ajuda para ele naquele dia e, que mesmo por estar tendo problemas de família, não tinha justificativa a sua atitude. Também pedia desculpas por não ter tido a coragem de falar pessoalmente, mas, tinha tomado a liberdade de mandar fazer aquele jogo de camisas brancas, com faixa transversal na cor preta, pois pelo pouco que sabia de futebol, o esquadrão da escolinha tinha o nome de Vasquinho, então, mandou fazer a toque de caixa em uma malharia do centro da cidade, onde o dono lhe informou como era o uniforme do Clube de Regatas Vasco da Gama.
O Vasquinho teve vida curta, até porque, outros afazeres profissionais tomaram o meu tempo, me alijando de continuar o projeto da escolinha, mas, em contra partida, hoje, passados mais de trinta anos, quando encontro aqueles meninos, que na sua maioria são pais de família, a satisfação é imensa pelo reconhecimento e consideração dado à minha pessoa.

Matéria publicada no Jornal Caçara em 08/08/2020.

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