OS RELÓGIOS DA ESTAÇÃO UNIÃO.

OS RELÓGIOS DA ESTAÇÃO UNIÃO.

Coisas da bola

Coisas da bola são relatos de fatos vividos por mim, histórias contadas por amigos e outros frutos da minha imaginação.

Qualquer semelhança será puro acaso.

“Jair da Silva Craque Kiko”

O fulano não era um cara bom de bolso. Sua carcaça não lhe facilitava para uma vida de lida. Apelidado de Paina, seu corpóreo era só caibro e vigamento quase nenhum, que com uma leve brisa, se não se segurasse num ponto fincado, voaria igual a uma folha. Estava em vias de uma finação, mas não largava nem por reza braba uma noitada na boemia. Não importava que nas noites de fuzarca tivesse somente uns míseros trocados para um ou dois martelinhos da mardita. Dizia para si, nasci para ser um notívago, palavra ouvida de um sicrano, mas que não sabia o que queria dizer.

A madrugada loguinho viria para uma claridade. Saíra o Paina de uma furrupa no famoso salão boêmio conhecido como Boneca do Iguaçu. A passos trôpegos, com o dia clareando chegou no famoso bar Cometa, ponto situado na praça do lado catarina. Colocou a mão no único bolso não furado e achou ainda um “mirréis”, mas não precisava, pois, o garçom sempre com dó do vivente, lhe servia o martelinho saideira.

Tomado aquele martelinho numa só golpeada, como sempre, sem nem ao menos agradecer, tomaria as veredas para a famosa Linha Velha. Perdido nas horas, ainda na porta daquele bar já vazio, o último em ir embora dali foi o mais famoso causídico de toda região que também viera do salão das “primas”. De frente para a Estação, Paina direcionou as vistas para o grande relógio. Olhou. Olhou novamente, firmemente. Não acreditando na indicação dos ponteiros, passou as mãos no rabo das vistas como querendo tirar as remelas, e bisoiou de novo. Não acreditou, o relógio estava com os ponteiros encavalados na vertical – marcava 12 horas. Caramba! Pensou – será que tô ficando loco e meio ceguete. Perdi a hora de ir nanar, disse para si.

Tentando sair dali em passos aligeirados, iria conferir às horas no outro relógio da Estação, o do lado paranaense. Ao cruzar a divisa de Estado, tropeçou em um dos trilhos ferroviários e caiu de prancha. Na tropicada teve um lejo no nariz. Mesmo com um filete de sangue escorrendo sobre a beiçola de cima, conseguiu se levantar.

De frente para o outro relógio, batendo no peito com as duas mãos fechadas, bradava – estou mesmo loco, estou loco, pois visualizou os ponteiros do relógio em forma de um “éle”, marcando três horas. Nenhuma hora batia com a que ele imaginava ser a certa.

Fixando por instantes aquele relógio, já com dores pelos dois garrões e começando a sentir sono, lembrou que tinham mais relógios na Estação. Deu um giro em torno dela e percebeu que outros dois relógios também estavam com as horas diferentes.

Entrando na parte central da Estação, ao lado de uma das plataformas de embarque, com uma agitação de pessoas subindo nos vagões, ouviu o repique do sino avisando que o trem com destino a São Chico partiria. Logo em seguida escutou o apito da Maria Fumaça que iniciava a viagem. Entre um apito e outro, que aos poucos iam sumindo, muito cansado, Paina se entregou ao sono deitado sobre um dos bancos por ali.

O Sol já estava além do pino. Com um sobressalto acordou quando foi cutucado por uns moleques malandros que passaram na correria. Demorou para se achar onde estava. Daquele banco, olhando para as duas plataformas de embarque, percebeu pendurados dois relógios, um em cada plataforma, que por incrível que possa parecer também marcavam com horas diferentes. Pensou de momento, estou caducando. Levantando daquele banco, meio zonzo foi examinar de perto aqueles relógios. Viu que um estava com os ponteiros encavalados na vertical para baixo, marcando seis e trinta. O outro assinalava onze horas e vinte minutos, que ainda perdido no tempo, imaginou ser da noite. Preferiu acreditar no horário do segundo, porque estava na hora de ir novamente para o salão dançante Boneca do Iguaçu, e depois do fandango, antes de rumar para a sua tapera, tomaria o seu último martelinho dado por aquele garçom do Bar Cometa.

Os anos andaram. O trem não passa mais. A antiga linha Velha virou cidade. O Paina já secou a quirera, toma seus martelinhos, não se sabe se nas Alturas ou na profundidade do lar do Tinhoso. O que nos resta para tentar colocar a hora certa nas coisas, é oferecer um brinde ao vivente que pegar em flagrante único, sé é que existe, todos aqueles relógios marcando as mesmas horas.

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