Nós, piazada da terceira série ginasial do Colégio Cid Gonzaga no ano de 1967, sabedores que somente teríamos as duas primeiras aulas naquela tarde de sexta-feira, e que seriam realizadas as provas de OSPB e Geografia, cujos temas eram a Declaração Universal dos Direitos Humanos e Países e Capitais do mundo, respectivamente, combinamos, então, que após as provas jogaríamos futebol dentro da nossa sala. Fizemos a primeira prova em que foi utilizado todo o tempo daquela aula, até porque, tivemos que escrever todos os artigos da Declaração Universal em folhas de papel almaço e, aguardávamos com ansiedade a segunda prova. Com o professor de Geografia encostado no quadro negro e postado de frente para nós, pediu que arrancássemos uma folha de caderno e relacionássemos cinco países de cada Continente com suas respectivas capitais. Quem terminasse a prova poderia sair da sala.
Não levando cinco minutos eu já tinha feito e entregue o meu teste para o professor, que surpreso com a minha rapidez, após eu ter saído da classe, corrigiu e viu que eu tinha acertado todas as questões. Antes de me dar nota dez, perguntou para uma aluna em qual local eu sentava e, levantando da sua mesa foi examinar a minha carteira. Não precisou muito do uso de seus óculos com lentes fundo de garrafa, para perceber, que escrito a lápis na minha carteira, estavam todos os países e capitais do globo terrestre.
Como todos os alunos tinham terminado a prova um pouco antes de tocar o sinal de final da aula, o nobre mestre foi embora. Rapidamente nos agilizamos e, em silêncio, todas as carteiras foram colocadas ao lado das paredes, exceto duas que seriam as traves e, foi improvisado um campo para realizarmos um torneio de futebol com uma bola feita de folhas de cadernos, revestida com uma meia feminina (não lembro quem trouxe). Com a porta de acesso fechada e o restante dos alunos de pé em cima das carteiras, iniciou-se o torneio, dois contra dois. Para que ninguém da direção suspeitasse que o bicho estivesse pegando dentro daquelas “quatro linhas improvisada”, era proibido falar, até porque, a bola de papel não faria barulho nenhum quando atingisse as paredes.
Todo suado, eu e meu companheiro, já tendo ganhado uma contenda (quem fazia o primeiro tento era o vencedor) enfrentávamos o time da Nere (nome fictício) formado por duas meninas. Com todo mundo entretido no duelo futebolístico, não percebemos quando o professor de Geografia (tinha o nome no aumentativo, igual àquele apóstolo que renegou Jesus por três vezes) abriu a porta no momento que a Nere desferiu uma bomba na bola de papel, que teve destino certeiro no focinho do mestre. Nervoso e extremamente mais brabo do que já era, o professor pegou a aluna, que tinha um porte físico privilegiado, viçosa mesmo, e xingando-a, prensava-a com a porta aberta contra a parede. Nisso, todos armaram o paletó dali e, alguém foi correndo fuxicar para o diretor.
Repercutiu mal aquela ação do nobre mestre, mas não deu em nada, pois o corporativismo imperou e, o único castigado fui eu na aula seguinte do professor de Geografia. Em virtude dos fatos, disse para mim o negador de Cristo: Pensei em te dar dois castigos. Dar-te nota zero e fazer você lixar e pintar toda a carteira. Mas, como você tem bons antecedentes e sempre se comportou nas minhas aulas, será apenado somente em lixar e pintar toda a carteira e, enquanto ela não puder ser utilizada, as minhas aulas você assistirá em pé. Prova de que estou sendo bom demais para contigo, vou te dar a chance de fazer outra prova. Por favor, sente nesta carteira, aqui na minha frente, pegue folhas do caderno e me escreva todos os países e capitais do mundo. Como um relâmpago, comecei a fazer aquela prova. Respondi tudo certo e, faltando cinco minutos para o final da aula, entreguei a folha. Enquanto corrigia, o mestre me olhava de soslaio por cima do aro dos seus óculos. Percebi pela forma como escreveu que a nota tinha sido um dez.
Em casos de cola durante provas, normalmente, os professores faziam com que o aluno a fizesse, novamente, só que de forma oral. Pensando nisso, eu tinha me antecipado e passei aquele final de semana inteiro estudando no livro de geografia, porque a partir do ocorrido, pus em prática o que ouvia sempre o meu pai falar para mim: Filho, a pessoa esperta e malandra é a honesta, pois procura fazer tudo da forma mais correta possível. Para essas pessoas a “casa nunca cai”.
Após a prova, naquela tarde de aula na segunda-feira, me foi dado pelo diretor do colégio, um pedaço de lixa, pincel e uma latinha de verniz. Cheguei a casa no anoitecer, mas a carteira ficou novinha em folha. Executei a tarefa no capricho.
Matéria publicada no Jornal Caiçara em 21/12/2019.