Do escritor da periferia – Craque Kiko.
Amante da literatura. Dono de um amor ferrenho por sua terra. Um bairrista de quatro costados. Pesquisador autodidata e um contador de histórias. Em cada causo ouvido, uma história ia para a sua coluna no jornal ou em um livro publicado. Ele afirma uma máxima – quem não sai de casa não tem história para contar. Ele saiu, andou, viajou e apoitou em vários cantos deste chão do nosso Brasil varonil. Mas, por paixão, prefere narrar sobre o seu chão cortado pelos trilhos ferroviários e banhado pelas águas do majestoso e, às vezes, tenebroso Rio Iguaçu. E, é mais ou menos sobre isso que se contará esse causo.
A história do futebol amador das cidades irmãs, esquecida, deveria ser contada. O intitulado escritor, durante anos pesquisou e entrevistou muitos dos protagonistas. Muitos choraram ao serem entrevistados, como que não acreditando que a sua história dentro dos relvados seria conhecida.
Com a obra manuscrita e diagramada foi-se em buscas de verba para a publicação. Com o orçamento em mãos peregrinou-se em busca de um patrocínio. Teve a palavra dada, no fio de bigode, por um fulano oportunista, agora comprovado, sempre de plantão. O dito cujo arcaria com a publicação, que teria volumes distribuídos gratuitamente para todas as bibliotecas das escolas e faculdades das cidades. Afinal! Era uma história sobre o nosso ludopédio, esquecida, desde os tempos em que por aqui chegaram os trilhos ferroviários.
Com a obra impressa e entregue, a gráfica exigia o valor contratado para pagamento em boleto. Então, foi-se atrás da verba prometida. Foi nesse instante que o prometido ficou pelo esquecido.
– Eu só prometi ajudar somente se o meu grupo fosse bem no pleito. Fora disso não prometi nada, disse aquele que garantiu que o tutu seria dado.
– Não! Você nunca condicionou a ajuda ao fato de um triunfo nas urnas, você está equivocado, respondeu aquele escritor.
– Que se dane! Não vou mais ajudar, afirmou categoricamente aquele que tinha “mijado para trás”, após o pleito não ser favorável ao seu bando.
E, agora! No mato sem cachorro e sem dinheiro para pagar a gráfica, puto da cara, pois para ele palavra dada é palavra cumprida, desencantado, o escritor foi para sua morada.
Mesmo tendo tomado um calmante misturado com erva cidreira, naquela noite o sono não veio na totalidade. No único breve cochilo que teve, sonhou que tinha jogado na Mega Sena da virada e tinha arrebentado a boca do balão. Levantando cedinho naquele 31 de dezembro, foi até uma lotérica no centro e apostou num cartão com oito números. Pensou! Vai, que eu ganhe. Para quem já está cagado de arara é: calça de veludo ou bunda de fora.
Na boca da noite saiu o resultado. Deu um pouco de calça de veludo. O seu sonho virou em meia realidade, acertou a quina, embolsou cinquenta e poucos mil contos. Dia dois de janeiro fez um Pix pagando a gráfica e começou a cantar: “nóis vai descê, vai descê”. Com o restante do prêmio desceu para Balneário Camboriú.
Com um chopp atrás do outro, sentado embaixo do toldo armado na areia, cubando com os cantos das vistas para que a patroa não percebesse, se deliciava com os “bombonzinhos”, que aos muitos, passavam por ali. Eis, que num de repente, surge na sua frente, do nada, aquele infeliz nas urnas. Ele tenta um proseio. O escritor o deixa falando sozinho. Sabia, porém, que com esse tipo de gente, talvez amealhasse o único inimigo que teria. Mas, tinha uma certeza, o seu futuro sufrágio e de muitas pessoas do seu convívio, jamais pertenceria àquele sem palavra.

