COPA DO MUNDO, BONÉ VERMELHO E A MENINA ELIZABETH
No ano da realização da Copa do Mundo de Futebol, na Inglaterra, em 1966, com a situação melhor lá em casa, meu pai prosseguia na sua profissão de barbeiro e continuava a revender telhas de barro que eram fabricadas pelos meus tios na olaria situada na localidade de Felipe Schmidt, lugar onde nasci, pertencente ao município de Canoinhas. Tal alusão à Copa do Mundo me vem à mente, pois lembro muito bem que, quando carregávamos um caminhão de telhas para entregar a um freguês, na mesma hora acontecia o jogo do Brasil contra a equipe da Bulgária. Escutávamos a narração da partida no rádio do caminhão que, para melhorar a escuta, foi amarrado um pedaço de fio de luz na antena. O escrete brasileiro venceu por 2 a 0, com gols em cobranças de faltas, tentos de Pelé e Garrincha.
Com melhores condições financeiras, naquele inverno a minha mãe conseguiu comprar um boné de veludo vermelho, com abas em lã de carneiro, para proteger as orelhas. Fiquei tão faceiro que não queria tirar o boné nem para dormir. Ficava brabo quando, no colégio, os outros meninos tiravam o boné da minha cabeça e começavam a jogar de um lado para outro, fazendo-me de bobo. Além do boné, também ganhei várias bolinhas de gude, que muitas vezes, quando jogava na hora do recreio da escola, os meninos mais velhos e mais fortes roubavam as bolinhas dizendo que era “colheita”. Pensando que poderia fazer igual, fui fazer uma colheita, mas por ser franzino, levei uns sopapos.
Juntamente com o aparecimento dos primeiros pelos na região pubiana, também comecei a ficar de olho na menina Elizabete. Sempre que íamos para o recreio na Escola Professor Balduíno Cardoso, olhava para ela e percebia que ela estava de olho em mim. Sem saber direito o que era, comecei a sentir uma comichão pelo corpo quando via ela me olhando e, discretamente, mostrando-me para as outras meninas. Tanta imaginação passava pela minha cabeça que toda manhã eu não via a hora de ir para a escola, rezando para chegar a hora do recreio para ver a minha Elizabete. Ela, no lado das meninas e eu no lado dos guris, pois não era permitido que meninas e meninos se misturassem na hora do recreio. E foi naquela sexta-feira, nunca me esqueço, que o meu coração disparou de emoção quando alguém me entregou um bilhete dizendo que ela tinha mandado. Procurando me esconder atrás de uma sala de aula, sozinho, imaginando a declaração de amor dela, fui ler o bendito bilhete. Comparado a um goleiro que vai do céu ao inferno em poucos segundos, eu também fui. Ainda mais, estragou com o meu dia e meu final de semana quando aquela caligrafia me fez desmoronar com a seguinte frase: Você só tem essa camisa? Realmente, aquela camisa de mangas compridas, de pelúcia, até aqueles dias era a única que eu tinha para usar quando ia para a aula. Foi feita de outras roupas ganhas das minhas tias, que a minha mãe desmanchou e fez a camisa para mim. Como resposta, após pensar muito, também por meio de um bilhete, só que na semana seguinte, com os seguintes dizeres, enviei para ela: Só tenho essa camisa, se tiver uma, por favor me dê que eu aceito. E a Elizabete, a partir daquele momento, passaria a ser para mim uma persona non grata.
Texto publicado no livro Apócrifos da Biografia de Um Desconhecido, de autoria do craque Kiko.