CHAPEUZINHO ERA O NOME DO EXTREMA-DIREITA
Buscando a sua afirmação como jogador profissional, ainda inexperiente em muito dentro do tapete verde, piá de tudo, peleando pela lateral-esquerda, por aquele setor nenhum dianteiro contrário tinha armado fuzuê, podia ser o extrema que fosse, pois na primeira dividida o lateral do Iguaçu, conhecido como Bola Encalhada, chegava o relho, e na maioria das vezes o “ponteiro contrário” pipocava e não vinha mais armar correria por ali. Quando a contenda era no campo do Ferroviário, coitado do atacante, pois a torcida começava a gritar, agora … agora…, que era o incentivo para que o lateral iguaçuano fizesse o ponteiro “beijar” o alambrado, e beijava mesmo.
Corria o certame paranaense naquela década, era a última rodada da fase classificatória e, o esquadrão do Operário de Ponta Grossa, freguês de carteirinha, que estava no topo da tabela, viria litigar no Estádio da Caixa D’água com o quadro iguaçuano, que necessitava dos dois pontos para prosseguir na fase seguinte. Despontando no seu onze e desiquilibrando os prélios, armando uma fumaceira em cima dos seus marcadores, inclusive estava cotado para uma convocação para o escrete canarinho, o extrema direita princesino, alcunhado de Chapeuzinho, era o craque a ser parado. Atuava bem aberto pela ponta direita e com a bola dominada, partia no mano a mano infernizando a vida de seus marcadores. Baixinho, rápido no pique e driblador para os dois lados, já tinha tirado o sono de muitos contendores na semana véspera das pugnas. Ele tocava o horror e já era considerado o melhor jogador do certame. A sua fama precedia o seu nome, só de ouvir falar no extrema direita do esquadrão de Ponta Grossa, a “becarada” sujava as cuecas.
O lateral esquerdo do Iguaçu, Bola Encalhada, alçado à titularidade naquele ano, com atuações soberbas, tinha colocado no bolso alguns extremas dos esquadrões paranaenses, caso de Buião e Nilton Batata, ambos do Furacão. Tendo a estatura nos 1.69 m, e sabendo que aquele famoso ponteiro contrário, na parte mais alta da sua cocuruta atingia a altura do seu peito, pensou consigo o lateral, esse anão não vai pegar na bola, pois usaria a sua tática que até aquele momento tinha dado certo, na primeira dividida faria ponteiro direito confessar os pecados. Daria a ele a chance de jogar livre, desde que não caísse pelo seu setor, senão o cacete iria comer solto.
Dentro do vestiário, após a preleção do “treineiro” Iracy Martins, deitado na mesa de massagem sob o cuidado do massagista Casquinha, o lateral recebia um trato nas pernas com o tradicional óleo milagreiro, que além de esquentar as “canetas”, também dava um exagerado brilho, que visto por quem não era do ramo, certamente teria o pensamento que ali estava um craque, mas em muitos casos era pura ilusão, somente lustrava as “canelas duras”. Massageados, todos de pé e em círculo, de mãos dadas, com os bicos das chuteiras encostadas nas chuteiras dos colegas para fechar a corrente, após a tradicional reza do “Pai Nosso”, o capitão do onze, Bartimeu Batista Belga, gritava, um por todos e, a resposta dos demais, todos por um, era a forma de salientar a união e avivar a motivação. Uns boleiros adeptos à mediunidade partiam para o saravá, enquanto outros se recolhiam na repartição dos fundos do vestiário e, de joelhos em frente da capelinha ali existente, pediam a proteção, não para vencer o cotejo, mas contra uma possível machucadura.
Todos fardados, se movimentando e sapateando dentro do vestiário num “pique no lugar”, esperavam o grito da torcida, principalmente por aqueles torcedores que ali estavam em frente do túnel de acesso do quadro visitante, que ao vê-los adentrar ao tapete verde, para fazer uma higiene mental, lavar a alma das “intempéries do cotidiano”, começavam a vaiar e xingar com nomes feios. Após aquele enorme gritedo, que deixava claro que os visitantes já tinham adentrado ao palco verde, com galhos de arrudas nas orelhas, o onze da Pantera Azul Dourada esperava o massagista Casquinha fazer a sua mandinga e atear fogo nos montinhos de pólvora que tinham sido colocadas em vários cantos do túnel de acesso ao gramado. Ao entrarem em campo numa correia total, ciceroneados pelo capitão Bartimeu, a grande massa torcedora pensava que eles estavam para tudo ou nada, sem sequer imaginar, que aquele pique era para fugir daquela fumaça claustrofóbica dentro do túnel.
A bola rolou e nos primeiros segundos de jogo, o lateral encouchou e cutucou com um dedão polegar o fiofó do famoso extrema baixinho, dizendo que se ele armasse correria por aquele lado seria cancheado de bordoada. Encarando o Bola Encalhada nos olhos, com um sorriso maroto como que dizendo, “jogou onde você”, na primeira bola que conseguiu dominar sem marcação, o ponteiro baixote veio com tudo para cima do lateral marcador. Quando passou como se fosse um foguete, o lateral Bola Encalhada aparou-o no meio, fazendo-o ir de prancha contra o alambrado antes de estatelar-se no chão. A massa foi à loucura e, num grito só, perguntava: é esse o famoso ponteiro? Sem apitar a falta, o mediador fazia vistas grossas e dava sinal para seguir o lance. Mesmo tendo levado o rabo de arraia, o ponteirinho não abriu a boca para reclamar e, levantando-se com o alambrado carimbado no seu costado, fitou com “sangue nos olhos” o lateral iguaçuano. Vendo que esse era um dos poucos que não afinava, o Bola Encalhada sentiu que o bicho ia pegar, que aquele anão de jardim não pipocaria facilmente. E de início não pipocou e armou uma arapuca para o Bola Encalhada. Num descuido da marcação, o nanico, solto, matou a “deusa branca” no peito, e fingindo que ela lhe escapuliu do domínio, deixando-a na feição para ser arrepiada pelo lateral. Quando este meteu a chanca para dar um bicudão tirá-la dali, o ponteiro Chapeuzinho meteu o seu solado com travas de metal por cima do balão de couro e “estoporou” a canela do Bola Encalhada. O duelo entre os dois virou uma briga de foice no escuro e, aquele primeiro tempo foi uma luta de gigantes entre os dois litigantes, fazendo com que a grande torcida da arquibancada, que assistia o combate bem à sua frente, vibrasse a cada saída de chispa.
Terminada a primeira metade, antes de adentrarem aos túneis para irem descansar nos respectivos vestiários, o lateral do Iguaçu com as canelas roxas e com o líquido vermelho escorrendo em uma delas, e o ponteiro direito do Operário, com o costado carimbado do alambrado e o peito marcado de tanto levar cotoveladas, fizeram um acerto à revelia dos seus treinadores. O Bola Encalhada deixaria solto o nanico Chapeuzinho, e ele, não viria mais no mano a mano, atacaria pelo centro da sua linha ofensiva. O lateral, sem alguém específico para se preocupar em marcar, teria chances de se lançar ao apoio à linha de frente. Na realidade, os dois, com dores pelo corpo, pediram arrego.
Essa história, numa narrativa verdadeira, conta fatos que os torcedores sequer imaginam, pois nos bastidores, dentro e fora das quatro linhas, cada jogador profissional defendendo o seu pão de cada, faz das “tripas coração”. Protagonistas desta história, os jogadores Bola Encalhada e Bartimeu Batista Belga teimam em permanecer neste chão. O massagista Casquinha e o treinador Iracy já ascenderam. Do nanico ponteiro Chapeuzinho, nada mais se soube.
Sem vencedores, com o escore final em 0 a 0, o Fantasma princesino continuou no topo da tabela e o Fantasmas da Fronteira deu adeus ao certame.