O Maracanã do Oeste – Estádio Municipal de Porto União – cujo nome de batismo fazia jus ao militar e grande desportista Mário Fernandes Guedes, nas décadas de 1950 e 1960 foi palco de grandes cotejos futebolísticos. Nos domingos, pela L.E.R.I. – Liga Esportiva Regional Iguaçu (fundada em 1932), pela L.D.N.C. – Liga de Desportos Noroeste Catarinense (fundada em 1949) ou pela L.E.N.C. – Liga Esportiva Noroeste Catarinense (fundada em 1960), o espetáculo era garantido, o coro comia e o pau pegava dentro das quatro linhas. Na acepção da palavra, craques desfilavam dentro daquele maravilhoso tapete verde. Se houvesse confirmação da rodada, a programação para as famílias dos amantes do esporte bretão já estava traçada para aqueles domingos. Os caminhos estavam definidos. Por veredas já conhecidas, aquele povo do costado dos trilhos ferroviários e encostas do grande Rio Iguaçu, com bandeiras nas mãos iam torcer por seu esquadrão do coração e passar uma tarde maravilhosa. O futebol cumpria o seu papel num povo que ali se socializava fraternamente. Embora que, várias vezes muitos cartolas malandros, nos bastidores, fizessem de tudo para favorecer o seu esquadrão tentando na surdina dar uma “ajuda” para os homens de preto com promessas de “molharem as suas mãos”, aquele imenso público queria mesmo é se divertir, muitas vezes não fazendo diferença quem triunfasse. Só o fato de assistir aqueles prélios – que ficariam antológicos –, lhes lavava a alma e teriam motivos para durante a semana de labuta ouvir sobre a peleja nas emissoras. Nas ruas ou bares os comentários seriam sobre o cotejo do domingo anterior. A bola conseguira mais uma vez fazer a sua parte – o assunto era sobre o que tinha rolado dentro e fora do gramado.
Comentando sobre o que foi escrito acima, dois principais protagonistas desta história – eu, juntamente com um dos maiores pontas de lança que desfilou pelos palcos gramados desta terra, em uma manhã lembramos de alguns fatos quando conversávamos por algumas horas encostados em um poste de luz em uma esquina no centro de uma das cidades. Eu relembrava e comentava: menino ainda, sem jamais imaginar o desfecho da sua vida, um piá sempre estava presente tentando ganhar umas merrecas vendendo pipocas naqueles domingos esportivos. Por mais que tentasse adentrar ao Estádio, o porteiro oficial – acho que sem coração, nunca abria mão de lhe cobrar o ingresso, e ele sempre ficava vendendo as suas pipocas no lado de fora. Muitas vezes junto dele, eu, o contador deste causo verídico, também sem ter uma verbinha para pagar o ingresso ficava ali com os ouvidos bem aguçados e, conforme o grito da torcida, imaginava qual esquadrão tinha derrubado a meta contrária. Por muitos prélios protagonizei junto com o piá-pipoqueiro, momentos que ficariam arquivados na minha mente. Nas vezes em que entrei de ratão após conseguir pular o enorme muro, me escondia em cima da pequena cabine das emissoras de rádio localizada sobre o telhado da arquibancada. Ali assistia os embates, privilegiado ao ouvir ao vivo o locutor irradiar as contendas dos famosos esquadrões das cidades irmãs – uns contrapõem e chamam de cidades gêmeas, mas creio não ser o caso para essa discussão.
Deitado e escondido sobre aquele pequeno telhado, eu esperava que as bilheterias fossem abertas para o público comprar o ingresso e acessar ao Estádio. Bem quietinho, enquanto aguardava eu fazia figa e catiça para que o piá-pipoqueiro tivesse conseguido entrar. Feito isso, a tranquilidade tomava conta de mim, porque tinha a certeza de que com um certo público já transposto os portões, o senhor Olegário – responsável e guardião que morava dentro do estádio, não mais me tiraria dali.
O papo corria legal, e com uma das mãos se firmando no poste de luz, aquele craque ponta de lança que ainda não conseguiu perder a pose de boleiro – anda parecendo que está pisando em ovo, lembrou do dito piá-pipoqueiro. Contou que sempre ao entrar no Estádio recolhia para dentro o menino-pipoqueiro dizendo ao porteiro que não era para lhe cobrar o ingresso. Por admiração e não querendo questionar o famoso artilheiro ponta de lança, o porteiro, mesmo fulo da vida, deixava o piá entrar.
A conversa boa por demais se alongava, quando surgiu por ali o radialista que irradiava os cotejos na época e aí mais lembranças daquele tempo bom do nosso futebol amador povoaram nossas memórias. A resenha ficou mais animada e o saudosismo tomou conta totalmente. Percebia-se profundos suspiros e o peitoral ser arfado quando algum fato era comentado – só não se viam lágrimas nas faces, talvez por conseguirmos camuflá-las, pois somos do tempo que nos ensinaram que o “homem não chora”.
O sol ardia sob nossas cocurutas nevadas e meio calvas. A hora do rango do meio-dia se aproximava e nenhum de nós dava sinais de querer ir embora. As lembranças afloravam e era uma história atrás da outra. Num interim da prosa, do nada um senhor até então desconhecido – beirando a minha idade, parou ali, nos cumprimentou e entrou no papeio. Ele sabia da vida de cada um, era nosso fã. Mencionou lembrar de vários tentos do ponta de lança. Comentou das narrações esportivas do radialista. Contou que mesmo morando fora acompanhou a minha carreira como jogador e hoje jornalista esportivo e escritor. Questionado sobre quem era, afinal como ele sabia coisas das nossas vidas no esporte? Nós não lembrávamos dele. Ele afirmou que contaria tudo se nós déssemos o prazer de almoçar junto dele. Após comunicarmos às patroas, adentramos no seu Volvo e fomos até uma churrascaria. Saboreamos um espeto corrido bancado por aquele cidadão já não tão estranho para nós. Quando comentávamos sobre o futebol no extinto Estádio Municipal de Porto União, um pouco afervorado aquele senhor pediu permissão para dar um abraço bem apertado no ponta de lança. Os dois se levantaram das cadeiras e numa forte emoção, com os olhos em prantos aquele cidadão abraçou fraternalmente o craque. Entre as muitas lágrimas incontidas devido ao momento muito afetuoso ele agradeceu ao artilheiro pelas vezes em que o recolheu para dentro do estádio, pois através daquelas vendas de pipocas nas arquibancadas ele começara a dar início à sua enorme fortuna. Sim! Aquele senhor era o piá-pipoqueiro que muitas vezes foi recolhido para dentro do estádio pelo nosso famoso amigo ponta de lança. As lembranças jorraram mais e aquele senhor nos contou que tinha feito fortuna somente com a venda de pipocas no litoral catarinense. Falou da família, dos seus dois filhos que também começaram na lida vendendo pipocas e hoje sem precisar dessa profissão são magistrados, por gosto. Disse que atualmente administra o seu complexo de turismo e vive muito feliz. Tem muitas saudades da sua terra natal – jamais a esqueceu, explicando inclusive, que nunca transferiu o seu título eleitoral e todo ano de eleição, se hospeda em um hotel e vem votar, ficando vários dias neste chão e revendo os amigos e lugares onde passou praticamente toda a sua infância. Frisou categoricamente – condenando os políticos da época – que segundo ele, foram os autores do maior crime no futebol ao acabarem com o Estádio Municipal de Porto União – alcunhado de Maracanã do Oeste quando o esquadrão do Olaria, da Vila Bariri, do Rio de Janeiro – deu espetáculo naquele tapete verde na década de 1950.
A tarde já ia para o seu final, e nós quatro só saímos do restaurante na boca da noite, isso porque o dono da churrascaria nos pedia “amavelmente”.
Texto publicado no Jornal Caiçara em 26/11/2022.