PROVA DE FÍSICA APLICADA E EXCURSÃO DO TIME DO IGUAÇU.

PROVA DE FÍSICA APLICADA E EXCURSÃO DO TIME DO IGUAÇU.

Os desentendimentos nos bastidores, brigas internas e principalmente a falta de vontade em deixar os afazeres pessoais, onde ninguém mais queria pôr a mão no bolso para sanar as despesas, protagonizaram a saída em massa dos diretores daquele esquadrão profissional que mandava contendas no famoso estádio da Caixa D’água, na beirada dos trilhos ferroviários. A crise era séria. Quando parecia que as portas seriam fechadas definitivamente, de forma inesperada, após todos terem jogado a toalha, apareceu um salvador da pátria, que de peito aberto reivindicou o comando do clube e foi lhe dado à presidência. Dizia ter, e poucos sabiam que tinha, uma vasta experiência nos bastidores, tanto futebolísticos como de casinos e da noite boêmia. Com larga cancha por já ter trabalhado com muitos boleiros metidos a malandros, se considerando “viajado” e muito “tarimbado”, de início o novo presidente sofreu muitas críticas por parte daqueles ex-diretores que não tiveram o culhão grande o suficiente para continuar presidindo aquele esquadrão que era o Orgulho de Um Povo. Mas era inveja de alguns.

Trabalhando diuturnamente, o novo presidente, à revelia dos ex-diretores cornetas, além de fazer uma limpa nos boleiros canelas duras, trouxe alguns jogadores medalhões. Também interferiu na escalação do elenco dando apoio para que piás das cidades fizessem parte do onze titular. De começo, dois meninos oriundos da classe juvenil ganhariam a titularidade e começariam a vestir a camisa da Pantera Azul Dourada.

Oriundos dos cantos do bairro Triângulo e da Vila Ferroviária, aqueles piás bons de bola, mas inexperientes de tudo – que nunca tinham saído das cidades para uma viagem, fariam parte da delegação que excursionaria pelos gramados de Lages e da capital Catarinense no mês de novembro. Alegres, pois enfim, seriam valorizados naquela excursão, os dois meninos não viam a hora de sentar-se no ônibus para viajarem com destino às cidades dos prélios.

Era o mês de outubro, as provas finais e exames estavam marcados no colégio onde um dos piás estudava. Tendo se preparado para a prova da única matéria que ainda não tinha sido aprovado por média, Física Aplicada, aquele menino precisaria tirar a nota 7,5 para não ter que fazer o exame final no mês de novembro, bem na semana da excursão do elenco profissional. Estudando muito, ficando praticamente em cima dos livros e cadernos, com as fórmulas físicas decoradas o piá fez a prova. Sentado na sua carteira, esperava pelo resultado e recebeu do professor a prova já corrigida. A nota que lhe fora atribuída era 7,0. Não acreditou naquela nota. Checou um por um os cálculos feitos naquelas dez questões e percebeu que em uma delas, o mestre não tinha levado em consideração a sua resposta que estava correta. Enquanto pensava que perderia a chance de ir naquela excursão com o quadro profissional, pois teria que fazer a prova final, criou muita coragem para questionar junto ao professor, pois só a fisionomia de poucos amigos que o educador sempre deixava transparecer dava um medo danado nos alunos. Levantou-se da carteira e se dirigiu até a mesa do docente. Foi infeliz ao modo de dizer que ele tinha “errado” na correção de sua prova. Sendo xingado pelo mestre, que enfatizava que não errara na correção e que o piá é que deveria ter estudado mais. Após bater a sineta do final daquela aula o mestre se dirigiu até a sala dos professores. Criando coragem não se sabe de onde, o piá foi atrás do professor inquirindo-o novamente. Recebeu como resposta que era para ele parar de encher o saco. Quando o “catedrático” adentrava à secretaria para oficializar a entrega das notas, tentando usar o último meio para que sua prova fosse revisada, se postando de costas para a porta por onde o pedagogo devia passar, com as mãos contristadas, com muito medo pediu: professor, por favor acredite em mim, o senhor se enganou na correção da minha prova. Como um milagre, olhando bem no focinho do piá aluno, o mestre pediu de volta a prova, analisaria a resposta. Pediu para que o menino esperasse em frente da janela da secretaria. Em poucos instantes o mestre lhe devolveu a prova com a nota revisada de 8,0. Com cara de “tacho”, como querendo se desculpar, disse o mestre: não sei como me enganei. A viagem do piá com o esquadrão estava garantida.

Viajando pela vez primeira em um ônibus leito e já escalados como titulares naquela excursão, os dois piás pareciam que estavam vivendo um sonho maravilhoso. O sonho começou a se tornar realidade, quando como titulares de suas posições tiveram uma atuação soberba no cotejo de findou empatado na cidade de Lages. Após aquele empate o esquadrão se dirigiu até a capital barriga verde, onde no próximo cotejo enfrentaria o Figueirense. Chegando na capital já noite adentro todos foram alojados em um hotel cinco estrelas. Juntos no mesmo apartamento, os dois piás não acreditavam o que estavam vivendo, parecia um sonho aquelas mordomias. Com permissão do presidente, o diretor de futebol autorizou todo o elenco para se deliciarem e irem conhecerem a capital, mas tinham o compromisso de se apresentarem no saguão do hotel à meia-noite.

Como eram vítimas das seguidas gozações dos boleiros mais rodados, aqueles dois piás resolveram sair juntos – mesmo que durante a noite, foram conhecer o mar. Sem se preocupar com nada, naquela praia deserta, só de cuecas os dois adentraram nas águas do Oceano Atlântico e se deliciaram. Ficaram até o quando lhes desse tempo para chegar na hora marcada no saguão do hotel. À meia-noite estavam lá e presenciaram o diretor de futebol e o presidente com os nervos à flor da pele. Nenhum outro boleiro estava por ali no horário estipulado. Lá pelas duas da manhã alguns começaram a surgir, sendo que os últimos a se apresentarem o fizeram quase ao amanhecer, deixando claro o “porejamento” etílico nas cabeças. O ambiente passou a ficar pesado entre a diretoria e os boleiros viajados, mas a contenda atada teria que ser realizada, e foi.

Na parte da tarde daquele dia ensolarado e muito quente, que deveria parecer o quinto dos infernos para aqueles boleiros de ressaca, o onze do Vale do Iguaçu foi derrotado pelo escore mínimo, num legítimo frangaço do guarda-valas em um “peido de véio” feito de longa distância. Com exceção dos dois piás que estavam “inteiros” fisicamente, mesmo sacaneados pelos demais boleiros, os dois tiveram uma atuação considerada boa. Os demais companheiros de esquadrão, como era esperado, arriaram o garrão na peleja. Diante dos fatos uma dúvida persistia no ar, principalmente na viagem de retorno: quais seriam as punições. A maioria deveria ser multada e alguns dispensados do elenco. Poucos tiveram a rescisão dos contratos e outros foram somente multados nos vencimentos, tendo em vista que o certame teria a sua largada já no mês de janeiro do ano seguinte, e não haveria tempo hábil para novas contratações. Aqueles dois piás se tornaram titulares absolutos em suas posições, um deles, em muitas contendas chegou a usar a braçadeira de capitão, mas devido ao atraso e não recebimento de várias das suas remunerações mensais resolveu encerrar a carreira como atleta profissional. O outro guri seguiu carreira chegando a pelear defendendo as cores de um dos grandes esquadrões da capital.

Um fato sobre aqueles dois piás nunca contado sobre aquela excursão às terras catarinenses, é que devido a felicidade de terem se banhado pela primeira vez em águas marítimas, mesmo após o cotejo, não tomaram banho até chegarem em suas casas. Queriam que seus familiares sentissem o cheiro e o gosto salgado das suas peles que confirmaria os mergulhos que deram no Oceano Atlântico.

Também trabalharia e daria voltas o destino, pois jamais imaginariam aquele mestre e aquele menino estudante, que lá na frente, quase no inverno de suas vidas, ambos se tornariam colunistas de um famoso hebdomadário.

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