O FRIO NA VIDA DE UM CHUTADOR

O FRIO NA VIDA DE UM CHUTADOR

Hoje, dói até os ossos do chutador. A carcaça surrada pela trajetória sente, e muito. E, nem está tão frio. Bem menos do que àquela tarde de quinta-feira, 17 de julho de 1975. Quando o chutador conheceu a dita neve. Ela caiu nas cidades irmãs. A jaqueta dele, de veludo, de cor preta, branca ficou quando ele bateu pernas pelo centro da cidade.

Tudo era alegria, afinal, muito jovem, tirava o frio de letra. Forte, porrudo, com sebo nos figos, peleava pela Pantera Azul Dourada. Bimbava forte o capotão, ele zunia, em faltas então! Seguido achava brecha na barragem humana. Se não entrasse, dava rebote. Na voz geral, mexericavam, tinha futuro. Já, já venderiam e ganhariam uns pilas. Estava iniciando no auge. Só não o salário, atrasado alguns meses. No bolso só pó, também naquela quinta-feira, neve.

A Associação Atlética Iguaçu vendia títulos patrimoniais para erguer seu Estádio. Lhe deram um carnê, se enfiasse em alguém, ficaria com a verba. Dois mil cruzeiros. Muita sola de sapatos batida. Vendeu. Foi a salvação da lavoura, momentânea.

Viajaram para o prélio em Bandeirantes, na Vila Maria. Cotejo pegado. Triunfaram, 1 a 0. Ainda sob as águas do chuveiro, receberam o bicho, molhado. Viagem de volta na festa, todos faceiros. Mas, por pouco tempo. O folclórico presidente Serafim Meneghel protestou na Federação, jogador irregular. Perderam os pontos. A diretoria queria o bicho de volta. Pensou o chutador, não sou tongo. Não devolveu. Já estava liso.

Entrou na justiça. Queria os “pagórios” atrasados. O homem da capa preta era torcedor fanático. Foi caviloso. Lhe passou a perna. Liberou uma minguérinha. O chutador armou um reboliço. Ameaçou dar uma cadeirada no presidente. Ele se escondeu embaixo da escrivaninha. O boleiro ficou com mais acridez de espírito. Mandou o presidente entrouxar tudo naquele lugar. Desde pequeno fora acostumado com lutas fortes, na dificuldade, mas trabalhar e não receber, não dava. Decerto teria que viver de vento na pança!

Em uma dedução de uma verdade já demonstrada, viu que aquilo de chutar não ia dar em nada. Decidiu ser feliz em outra lida. Não balançaria mais o véu da noiva. Também, não seria mais chamado de “fila bóia”.

Quando muitos, daqueles idos, já foram estudar geologia nos campos santos, o ex-chutador, na tarde de sua vida, virou um escritor. Poeta do futebol, só atrás dos alambrados.

Nos tempos de agora, ele imagina a neve caindo como em 1975. Sonha em andar sobre e sob ela. Está teimando em ir até Urubici.

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