ATÉ PARECE MENTIRA SE NÃO FOSSE VERDADE. UMA MANHÃ DE UM DOMINGO QUALQUER.

ATÉ PARECE MENTIRA SE NÃO FOSSE VERDADE. UMA MANHÃ DE UM DOMINGO QUALQUER.

Causos da vida de fato.

Do escritor da periferia – Craque Kiko.

Água de bica. Chovia de montão. Fechado dentro de casa, além dos problemas de saúde inerentes da idade, uma “depre” começava a rondar o fulano de idade que caminhava para avançada. Ele tinha que sair e dar umas esticadas nas canetas, talvez assim, começasse a se sentir melhor. A chuva deu uma trégua. Alguns parcos raios solares o incentivaram a fazer uma caminhada, mas de forma prevenida levaria um guarda-chuva.

Andou durante uma hora por vários cantos da cidade. Para forçar e fortalecer os cambitos privilegiou uma pequena subida. Quando deu por si, estava em frente da paróquia no Alto da Glória. Parou em frente da famosa Gruta da Santa. Contrito, soltou um leve sorriso e fez “o pelo sinal”. Andou mais. Passava de uma hora batendo pernas, achou que deveria voltar para o lar. Aquele final da manhã já meio escuro estava virando treva, um novo aguaceiro cairia já, já.

Perto da sua casa, no maior mercado das cidades, sentiu uma coceira no gogó. Um tinto seco desceria redondo. Entrou, deixou o guarda-chuva no guarda volumes e bateu pernas em frente das prateleiras. Achou o vinho do gosto. E, lá fora parecia que o mundo acabaria em águas tamanho o barulho no enorme telhado de zinco. No caixa pagou com um cartão. Se dirigiu a porta. A chuva caia, incessante.

Olhando aquela chuva, se viu num desespero. Como iria para casa. Não tinha trazido o celular, pois tentando dar uma folga e se policiar do, às vezes, maldito “Zape”, o tinha deixado dentro de uma gaveta na sua biblioteca, e agora não tinha como se comunicar para virem apanhá-lo. Observando as pessoas que chegavam e saiam, naquela espera, sem medo de ser feliz, como opção abriu a garrafa do vinho, e um gole após o outro, deliciosamente entornou. Aquele vermelho desceu redondo.

E, dá-lhe chuva. Um pequerrucho que vendia balas de goma, para fugir da molhança, chegou por ali. Vistas nas vistas, uma prosa foi inevitável.

– Bom dia! Como está o senhor, disse aquele piazote.

Surpreso, pois pelo traje e tamanho, aquele pequeno de aspecto simples tinha topete e fora educado. Bom dia! Eu vou bem e você? – respondeu o fulano.

Estou ótimo, mas vender guloseimas nas portas dos veículos que estacionam está complicado. Os motoristas não querem nem papo, disse o menino. O senhor não quer comprar alguns para levar para os filhos ou netos, se tiver? – prosseguiu.

Bem que eu queria levar uns cinco, mas não tenho trocado – justificou o fulano.

Também aceito cartão – respondeu o piá.

Passado o cartão na maquininha do vendedor, cinco doces de goma foram parar no bolso daquele senhor, e um certo grau de confiança e aprazimento naquele diálogo se fez presente.

E, dá-lhe mais chuva. Colocando a mão dentro daquele bocó onde colocava os trocados amealhados pelas vendas o garoto tirou um livro e questionou aquele senhor: É verdade o escrito aqui sobre os túneis da igreja? Aconteceu mesmo aquilo?

De começo ao fim – respondeu o agora reconhecido escritor. Você me conhece, gosta de ler? Perguntou ao piá.

– Conheço, muito. Leio de paixão. Sonho em um dia ser doutor. Ando exausto desta vida de pobreza. Quero ser como aquele paladino da justiça, careca e com o couro cabeludo oleoso e reluzente, que prende e solta a bel prazer.

Pensativos os dois, vistas nas vistas como se quisessem penetrar na mente um do outro, o menino pediu um autógrafo para aquele escritor da periferia. Aquele exemplar de O Pé de cachimbinho, com as páginas amassadas e cheias de orelhas de burro, ganhou até então, a maior e mais amorosa dedicatória.

A chuva continuava. Se perguntando em voz alta de como iria embora com aquela chuva, ouviu quando o menino lhe disse: Pegue o seu guarda-chuva que deixou no guarda volumes.

Sim, ele viera de guarda-chuva. Ao ser lembrado, teve a consciência, que além dos problemas que já tem, outro lhe rondava frequentemente. Aquele mal do alemão, que afeta a cachola. O dito cujo Alzheimer.

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