Já com 19 anos de idade, defendendo equipes amadoras, ganhava uns trocos por partidas. Até que, em certo jogo, estava na assistência o treinador da Associação Atlética Iguaçu, Juvenal Ruppel que, segundo algumas pessoas da época, ficou impressionado com a minha atuação de beque central. Após se informar sobre a minha pessoa e ficar ao par das proezas dentro de campo, não acreditava ele como ninguém tinha me levado para um clube grande. Após o treinador se reunir com a diretoria iguaçuana e garantir que eu era dinheiro em caixa, fui contratado com o salário cinco vezes mais do que ganhava trabalhando em um escritório.
Muito bem orientado, lapidado e com treinamentos específicos, tanto físicos como técnicos, como diz uma linguagem do futebol, eu estava voando baixo, vinha arrebentando nos treinamentos coletivos e, no início daquela semana que antecedia a partida contra o Operário de Ponta Grossa, fui informado que faria a minha estreia como titular. Aquela semana foi muito especial para mim, pois me dediquei e me concentrei ao máximo. Aquele sonho que tivera e não deu certo de ir jogar pelo Colorado, de Curitiba, agora seria concretizado com alegria maior, defenderia a equipe profissional da minha terra.
No sábado pela manhã, no último coletivo, tudo transcorria normalmente naquele treinamento, até que, em um lance em que fui antecipar uma jogada, o atacante da equipe reserva, de nome Didi, dividiu a jogada na maldade e, por cima da bola, rasgou a minha canela e o meu tornozelo com a sola de metal da sua chuteira. Estendido no chão e em prantos devido à forte dor, fui atendido rapidamente pelo massagista Casquinha e pelo médico do elenco, Dr. Barbosinha, sendo retirado de maca e encaminhado para exames no Hospital São Brás, em Porto União.
Diante do fato, o treinador expulsou o avante Didi do treino e, já na segunda-feira, o atleta foi dispensado pela diretoria, pois com sua atitude, tinha postergado e quase interrompido precocemente a carreira do jovem atleta que, segundo muitos, tinha um futuro promissor e poderia, com sua venda, encher os cofres do clube. Pela gravidade da contusão, mesmo com tratamento fisioterápico intenso, eu ficaria afastado dos treinamentos pelo menos por um mês.
Alijado de poder estrear naquele domingo na cidade de Ponta Grossa, muito triste, para espairecer, resolvi visitar o querido tio Ataíde, irmão de meu pai, que residia em Felipe Schmidt, distrito de Canoinhas – SC, meu local de nascimento. Chegando lá, não encontrei ninguém em casa. Recebi informações de um vizinho de que todos estavam na raia (local de corridas de cavalo), pois naquela tarde haveria uma penca (corrida entre dois cavalos), as apostas eram grandes e havia pessoas de todos os lugares para assistir ao desafio. Informado do local da raia, lá fui eu procurar o meu tio Ataíde. Encontrei-o no local da largada, pois a penca estava prestes a começar.
Quando o meu tio me viu, veio rapidamente ao meu encontro, dizendo que fui mandado por Deus para estar ali naquela hora. Em poucos minutos, explicou-me sobre a corrida e que sua égua pangaré estava correndo por fora contra um cavalo Quarto de Milha da cidade de Palmas (Meu tio Ataíde herdou o mesmo dom do meu avô, João Maria, pai do meu papai, que foi um dos maiores treinadores de cavalo de corrida nos estados do Paraná e Santa Catarina). Disse, ainda, que tinha apostado todas as suas economias na sua égua e que as apostas estavam em 10 contra 1 para o cavalo adversário, mas que conhecia e confiava na sua eguinha. Só que ela era péssima de largada, o que na maioria das vezes decidia uma corrida, e era aí que eu o ajudaria. Salientou que a catimba e malandragem que ele faria daria a vitória e que era algo que ninguém deveria saber e somente uma pessoa da família saberia guardar segredo, pois se alguém descobrisse poderia ser caso de morte, tamanha a quantidade de dinheiro apostado. Com muito medo, disse que o ajudaria se não me complicasse a vida. Ele garantiu que não complicaria, era só ficar de bico calado. Diante da fria em que tinha entrado, fiquei me perguntando o porquê de estar ali e fiquei maldizendo o boleiro que tinha me machucado.
Com os animais em seus respectivos lugares de partida, notava-se claramente porque as apostas eram contra a égua pangaré. Feia e desmilinguida, contrastava com o cavalo Quarto de Milha que, todo trajado, exibia um belo porte físico, e pela aparência, a corrida seria um “mamão com açúcar” para ele.
Em mais uma conversa reservada, o meu tio me deu um cabo de vassoura com um prego bem pontiagudo em uma das pontas. Explicou-me que, juntamente com o largador da corrida (a pessoa que daria um tiro para o alto para os cavalos iniciarem a corrida), eu teria que dar uma cutucada na anca da égua, somente assim ela daria uma boa largada, pois após isso, ele tinha certeza absoluta que a égua pangaré deslancharia e deixaria o cavalo na saudade.
Um outro fato que observei, foi o meu tio pedindo permissão ao dono do cavalo adversário, para conversar com a sua égua antes da largada. Com a permissão dada, meu tio se ajoelhou perto do focinho da eguinha e fazendo carinho começou a balbuciar algumas palavras em uma das orelhas do animal. Como bom observador, notei que ele tinha empastado a sua mão esquerda com uma pomada transparente e, disfarçadamente, passava nas narinas do animal.
As cercas laterais da pista estavam apinhadas de pessoas aficionadas neste tipo de esporte. Com o silêncio quase sepulcral, o largador apontou a arma de fogo para cima, deu o tiro de partida e os animais pularam e iniciaram a carreira. Se eu já estava com um cagaço, a minha tensão ficou maior, pois me desconcentrei e, quando dei por mim, os animais já tinham partido e não cutuquei a égua. O medo generalizado tomou conta de mim quando o meu tio veio correndo em minha direção. Fiquei preparado para os bofetões que ganharia. Mas ao contrário, ele me abraçava e gritava: Ganhamos, ganhamos… ganhamos por meio focinho.
Surpreso e aliviado, confessei para ele que tinha vacilado na partida dos cavalos e não tinha cutucado a égua. O meu tio respondeu que então o que tinha funcionado era o plano B. Falei para ele: “A pomada que a égua cheirou?” Dando risadas ele disse: Que pomada!
Texto publicado no livro Apócrifos da Biografia de Um Desconhecido, de autoria do Craque Kiko.