EM UMA SIMPLES TARDE DE DOMINGO DA DÉCADA DE 1960

EM UMA SIMPLES TARDE DE DOMINGO DA DÉCADA DE 1960

Tendo passado uma semana de férias na casa do meu avô João Maria, na localidade de Felipe Schmidt, interior do município de Canoinhas – SC, naquele domingo pela manhã, após muitas brincadeiras com o meu tio Osni, da minha idade, irmão mais novo do meu pai de uma prole de quinze, almoçamos muito ansiosos, porque à tarde ia “ferver” no campo de futebol localizado ao lado da olaria do meu tio Ari Pietrowski, que era casado com uma irmã de meu pai, pois um prélio de futebol era muito esperado. O esquadrão do Botafogo local receberia o Botafogo de Porto União, que era comandado pelo senhor Eduardo Cheden, pessoa muito popular nos meios futebolísticos da região, conhecido pela alcunha de “Bom Turco”.
Antes de sairmos com destino ao cotejo, armei o maior entrevero, e por pouco não levei umas palmadas da minha mãe. Ao me arrumar, mamãe me vestiu com uma calça curta que era segurada por um suspensório. Diferente de mim, minha avó Rosinha vestia o meu tio com uma calça comprida, com suas presilhas preenchidas por uma bonita cinta. Eu, não queria usar os ditos suspensórios e queria uma calça comprida, pois já iniciando na puberdade e com uns poucos pelos na região pubiana, já estava me considerando um homem, até porque, o som da minha voz começava a ficar estridente igual a das gralhas Cancâs e, estava passando mais tempo que o necessário na privada ou num capão de mato para fazer as necessidades fisiológicas. Já nem ligava ao ouvir a minha mãe dizendo: saia logo daí, e o meu pai, se contrapondo através do palavreado: deixa o piá em paz, até porque, ele já tinha passado por essa fase de pré-adolescência. De tanto reclamar e chorar não querendo mais ir assistir a peleja, minha vó, que era costureira, com dó ou para se livrar da minha “encheção de saco”, de posse de uma agulha com fio, rapidamente deu um jeito de ajustar a minha calça na cintura, não precisando mais de suspensórios para ficar firme no corpo. Reinando um pouco ainda pela calça ser curta, aos poucos me acalmei.
Faceiros, peitos estufados e com as mãos nos bolsos, chegamos num pulo ao campo de futebol com o apitador prestes a autorizar o chute inicial. Procurando não perder um lance sequer, posicionado junto com os contendores reservas do esquadrão “felipense”, eu podia sentir o cheiro de álcool e mentruz, que misturado com uma pomada fora passada nas pernas dos craques. Com a beirada do palco verde totalmente tomada por torcedores, principalmente, porque, domingo sim e domingo também, um prélio era realizado ali contra um esquadrão de outro reduto, proporcionando o principal meio de lazer para toda aquela comunidade. Ouvindo gritos da torcida, facilmente percebia-se o som maior que vinha das torcedoras posicionadas atrás da trave dos contrários, que com suas sombrinhas davam um colorido lindo tentando tirar a concentração do arqueiro. De tão extasiado e entretido com a porfia, não percebi que o meu tio Osni tinha sumido daquele local.

Embalado pela torcida, o onze da casa fustigava a cozinha do esquadrão porto-unionense, onde se destacava o meia-direita, outro meu tio, só que por parte de mãe, Lulo Crestani, que armava um fuzuê nos beques visitantes. Destoando dos demais contendores, no quadro do “Bom Turco”, salientava-se um jovem, que pelo corte de cabelo deixava transparecer que era militar, aliás, era o único defensor que estava conseguindo conter o meu tio Lulo, virando a disputa num duelo particular de alto nível.
Quando meu tio Lulo partia com a redonda dominada ia fazendo fila, só era parado pelo jovem beque, que com uma categoria por mim ainda não visto, me encheu os olhos de admiração, porque atuando como um legítimo quarto zagueiro, além de desarmar, saia com a redonda no chão armando todas as jogadas do seu esquadrão. Seu domínio de bola era algo fora do comum. Os dois, tio Lulo e o beque Mauro da Silva, nome que descobri e, a partir dali comecei a acompanhar sua carreira futebolística, foram os dois astros daquele embate amistoso que ficou no zero a zero, pois a sorte esteve ao lado do guardião do elenco de Porto União, que ao fazer um golpe de vista, após um tirambaço do tio Lulo, do meio da rua, viu a redonda tirar lasca do seu travessão e tomar destino da linha de fundo.
Com todos se cumprimentando no pós confronto, após se lavarem num chuveiro improvisado na olaria do tio Ari, todos se dirigiram à bodega e salão de baile do senhor Nelson Ludka, onde uma domingueira (tarde dançante) estava programada. Nesse ínterim, eis que surge o irmão do meu pai, Osni. Disse-me que tinha ido se banhar no rio Iguaçu ali perto e, que não era para eu contar para a minha vó. Deixando-o ao par do ocorrido na pugna, para caso alguém em casa lhe perguntasse, fomos com destino à casa da vovó, até porque, a minha mãe deveria estar preocupada com medo que eu me atrasasse e perdêssemos o horário de subir no trem para voltarmos à Porto União. Nessa ida até a casa da avó, em parte do percurso, juntou-se a nós, o craque tio Lulo e, sem pestanejar, pedi se ele me deixaria carregar a sua chuteira. Com o par de chuteiras pendurado no meu pescoço, muito alegre e cheio de devaneios eu ia sonhando com o dia em que jogaria em um campo oficial como àquele e calçaria uma chanca igual àquela. Perto da casa da vovó devolvi a chuteira para o tio boleiro, que foi se juntar aos outros no salão, onde era realizado o esfrega coxa.
Já na casa da vovó, com o sol se pondo, após tomarmos o tradicional “cafezão”, eu e minha mãe rumamos para a estação ferroviária. Dentro do trem, próximos de nós, estava todo o elenco do Botafogo do seu Cheden. Sentado quase de frente, com os olhos arregalados, eu fitava aquele beque que conseguiu parar o meu tio Lulo, nem lembrando de pedir para a minha mãe comprar, como sempre nessas viagens, a maçã banhada com caramelo que era vendida no trem.

Texto publicado no Jornal Caiçara em 17/09/2021.

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