Em um sábado não muito distante, convivendo com essa maldita pandemia do corona vírus, após uma noite de insônia, “daquelas”, consegui pregar os olhos somente de madrugadinha, mas logo fui despertado pelos tradicionais ganidos e latidos dos dois grandes cães, que toda manhã são levados para passear pelo seu dono, um morador da vizinhança. Acumulado pelos tempos difíceis e pela noite mal dormida, o mau humor já estava imperando, ainda mais, porque toda manhãzinha aqueles cachorros defecavam no pequeno gramado bem em frente à janela do meu quarto de dormir e, o dono dos mamíferos quadrúpedes, nem aí, talvez seja um tongo ou pense, que se dane, quiçá influenciado pelo maldito vírus. Premeditadamente, de posse de uma vuvuzela (corneta utilizada para torcer pela seleção brasileira na Copa de 2014), no primeiro ganido dos animais, acionei aquela corneta emitindo um estridente som, que os animais por terem a audição aguçada sofrem um incômodo danado. E foi o que aconteceu, eles se assustaram e num desespero derrubaram o seu dono naquele pequeno gramado, fugindo levando também a corda. Preocupado com o desfecho inesperado, por trás das cortinas quase transparentes, com uma das mãos no cabo do “Schmitão”, percebi o dono dos cães saindo em disparada, bradando nomes feios, na tentativa de apanhar os animais. De início me senti um pouco culpado, mas quando pensei que todo o santo dia, religiosamente, às 6 horas sou acordado e pela manhã tenho que limpar o cagado daqueles “literalmente cachorros”, achei o ato menos perturbador do que pegar aquelas fezes e colocar em frente ao portão daquele vizinho sem noção.
Ainda naquela manhã após limpar aqueles dejetos caninos, percebi que estava na hora de cortar aquele pequeno gramado e, como sempre faço, por ser um serviço rápido, também aparo o gramado da frente da casa do meu vizinho ao lado, onde funciona uma pizzaria. Tentando relaxar, enquanto executava aquela tarefa eu cantava baixinho o hino do Clube de Regatas Vasco da Gama, meu esquadrão de coração, e eis, que, novamente, quando executava o serviço, surge uma “persona non grata”, que na vez anterior quando nos encontramos ali, eu também cortava aquele gramado e ele me tirou o maior sarro, perguntando seu eu podia cortar a grama da frente da casa dele. Desta vez, para tirar mais uma com a minha cara, afirmou que agora tinha certeza que eu era um mão de vaca e que cortava aquela grama para ganhar “umas pizzas” do vizinho. Calmamente lhe respondi, que a frente da casa de uma pessoa é igual ao seu focinho e tem que sempre estar limpa e, mentindo-lhe que aquela propriedade onde funcionava a pizzaria era minha e que também não me custava nada cortar aquela grama, pois o aluguel que eu cobrava não era pouco. Estupefato, com os olhos arregalados parecendo um boitatá, o enxerido fulano perguntou: essa casa é tua? Desde quando? Respondi-lhe que já há tempos tinha adquirido. Nesse meio tempo, surgiu um amigo, desses que o esporte nos proporciona, que recém-chegado da cidade de Foz do Iguaçu veio me visitar. Colocadas cadeiras embaixo da única árvore por ali, foi iniciado a boa prosa com o amigo visitante. Se sentindo fora do ninho, pois o papo pendeu para o lado do futebol, o enxerido evadiu-se, rapidamente do local e eu não tive tempo de desmentir, que aquela propriedade não era minha coisa nenhuma, pertence a um empresário, grande responsável pelo PIB das cidades irmãs. De início aquela mentira no ar, me incomodou, mas depois esqueci do ocorrido.
Na segunda-feira pela tardinha, ao transitar a pé pelo centro das cidades, passando na frente da loja do empresário dono da propriedade onde funciona aquela pizzaria, ao me ver, lá do fundo do seu escritório, me chamou para uma prosa. Adentrei, e como sempre ao estar por ali, foi me oferecido uma cadeira para sentar, onde travamos uma conversa gostosa sobre assuntos das cidades. No decorrer da nossa resenha, o empresário bonachão, com um sorriso nos olhos me perguntou se estava satisfeito com a casa que eu tinha comprado dele e se o inquilino me pagava um bom aluguel. Ao ouvir aquela indagação, lembrei da mentira que tinha ficado no ar e contei em minúcias o acontecido. Confidenciou-me o amigo empresário, que naquela segunda-feira pela manhã, o vivente enxerido tinha ido conversar com ele e o inquiriu várias vezes, perguntando quando vendeu a casa para mim, por quanto e se tinha recebido tudo, pois afirmava que eu era um “oreia seca” e não tinha cacife para comprar. Vendo o interesse desmedido do fulano com a vida alheia, o amigo confirmou para ele, citou a data da venda e valor da transação, afirmando que foi pago em espécie, uma nota em cima da outra.
Tentando me explicar como ficou a cara do enxerido, dando risadas, tomando um cafezinho e, mudando de prosa, quase que exigindo de mim, o amigo empresário queria por toda a lei saber quem era o narrador esportivo e a dama daquele idílio naquele sótão, escrito na minha última resenha no periódico Jornal Caiçara. Respondi-lhe, que minhas histórias são fatos vividos por mim, causos contados por amigos ou frutos da minha imaginação. Qualquer semelhança será puro acaso. E, caímos numa alta gargalhada… mas ele afirmou, tem um fundo de verdade naquela história, né! Respondi-lhe, minha boca é um túmulo…
Matéria publicada no Jornal Caiçara em 05/11/2021.