Sabedores que eu adorava jogar futebol e muitas vezes chegava a dormir com uma bola ao lado do travesseiro e, nos sábados e domingos, se alguém quisesse me achar só encontraria nos campos, meus pais me alertaram que num certo final de semana daquele mês nós iriamos para um casamento em uma localidade do interior, pois eles tinham sido convidados para serem padrinhos da noiva, cuja festa, após o “sim” na igreja, vararia a noite.
Com o prazer pelo convite e ciente do compromisso, naquela manhã, logo após a abertura das portas das lojas que comercializavam tecidos, eu e minha mãe fomos às compras. Costureira que era, autorizada pelo meu pai que era o provedor, fomos em busca de tecidos para ela confeccionar um vestido novo que a ocasião requeria, bem como, para mim, pela primeira vez uma calça comprida, adaptada para o uso de suspensórios (odiava usá-los). Ao adentrarmos à loja, fomos recebidos por um vendedor, que de cara conheci. Era um famoso craque, beque do esquadrão da Lagoa Preta, o São Bernardo F.C. Enquanto eu extasiado não tirava o olho do boleiro, conversando com minha mãe ele lhe mostrava e sugeria tecidos. Vendo que não tirava os olhos dele, ele me fitou e perguntou se não era eu que sempre estava nos campos de futebol, inclusive disse que lembrava de alguém parecido que estava sempre em cima das cabines de rádio do Estádio Municipal de Porto União. Após confirmar que sim, era eu, ganhei também a atenção do vendedor. Efetuada as compras, retornamos para casa, onde mamãe já dava início no vestido, e eu, muito faceiro, saí correndo pela vizinhança contando para meus amigos que tinha falado com o grande defensor do São Bernardo F.C.
Durante a semana que antecedeu o casório, em uma segunda-feira, a nossa vizinha que era irmã da noiva, me levou junto quando foi visitar o seu pai que, por homicídio, após uma briga no interior, cumpria pena na cadeia do Porto. Já há vários anos pagando pelo crime, por bom comportamento ele seria liberado naquele final de semana para o casamento da filha e retornaria na segunda-feira, essa era a notícia boa que ele receberia. Sentado dentro da cela, após lhe contarem que poderia se fazer presente no casamento da filha, enquanto eram tiradas as suas medidas para que lhe confeccionassem um terno, emocionado o pai da noiva se desmanchava em choro.
Com o meu pai tendo improvisado bancos em cima do seu caminhão Ford F 600, após o casamento na igreja, com a carroceria abarrotada de convidados, se cuidando para os nhapindás (plantas na beira da estrada) não machucar o rosto, viajamos pelas estreitas estradas vicinais, de chão batido, até o interior, onde moravam os pais da noiva. Ainda longe da residência, já ouvíamos uma cantoria, que juntamente com o som de uma gaita de 120 baixos e uma viola de doze cordas nos davam boas-vindas. Surpreso fiquei ao ver que um dos cantores era aquele vendedor de tecidos, o craque do São Bernardo. Desde a chegada no final de tarde daquele sábado até quase a boca de noite no domingo, bebidas a vontade e farta comilança, era servida para todos. Durante o fandango de sábado, tremia toda aquela casa velha de madeira, mas o pessoal não se preocupava, o negócio era participar e usufruir daquele festão.
Noite adentro no sábado, já muito cansado, o sono estava me pegando e fui levado pela mãe da noiva, para dormir nas palhas que estavam armazenadas no andar superior do celeiro. Já quase cochilando, ouvi um bochicho onde as vozes de várias mulheres entre risadas e gritinhos tentavam ajeitar a noiva que precisava fazer suas necessidades fisiológicas e aquele vestido longo e branco, com um corpete por baixo a impossibilitavam de sentar-se em cima daquele penico que estava colocado sobre um banco. Lá de cima, por trás daquele janelão, aproveitando o luar daquele céu de muitas estrelas, visualizei atrás de algumas árvores, uns rapazes loucos de desejos em observar as partes íntimas da nubente. Tendo enchido o penico, sem se limpar, o vestido foi abaixado e a nova mulher casada retornou para aquela sala grande, para dançar a noite inteira com os convidados, menos com os rapazes que presenciaram o enchimento daquele penico branco esmaltado, que ficaram com repugnância da noiva nauseabunda.
Pela manhã, junto com pedaços de um leitão, um café bem forte foi servido para os que vararam a noite se divertindo. Entre conversas fúteis e muitos causos, em duas mesas, um carteado e um jogo de truco tomaram o tempo dos homens até a hora do almoço. Várias pranchas de costela de um gado gordo, assadas desde a madrugada, estavam suculentas e se derretiam nas bocas. Com todo mundo tendo enchido a pança e sentindo o cansaço da noitada dançante, era chegada a hora dos convidados da cidade “queimar o chão” e se bandear de volta, até porque, as muitas nuvens escuras prenunciavam que vinha muita água. E veio, fazendo com que o retorno, contrastando com a linda festa, fosse um verdadeiro inferno para todos, menos para mim.
Sabendo que o artista da bola tinha solicitado uma carona para voltar em cima do caminhão, pedi para o meu pai para não viajar na cabine e sim na carroceria, pois queria estar junto do craque alvinegro. Choveu a potes, e eu, junto com aquele povo sentado nos bancos em cima da carroceria ficamos ensopados quase até a alma. O “Fordinho” do meu pai, mesmo após terem sido acorrentadas as rodas traseiras, a cada pequeno deslocamento atolava naquela estradinha, obrigando que todos descessem e empurrassem. Tendo saído lá do interior por volta das duas horas da tarde, percorrendo um trecho de quarenta quilômetros, chegamos no Porto, todos sujos de barro e esgualepados, por volta das oito horas da noite. Lembro que já em casa, só tomamos um banho, sendo logo a seguir antecipado o ir para cama, mas em meu íntimo, a felicidade era muito grande, até porque na manhã seguinte eu sairia correndo contar para os meus amigos, que tinha estado, novamente, junto com o jogador do time da Lagoa Preta.
Matéria publicada no Jornal Caiçara em 30/01/2021.