Preparando-se para municiar o fogão a lenha à espera daquele inverno que, segundo a previsão seria rigoroso, meu pai alugou um caminhão para buscar uma carga de lenha em um terreno do seu pai, meu avô, em Anta Gorda, localidade conhecida como Passo da Galinha, hoje município de General Carneiro. A lenha seria derrubada da mata em tamanho igual ao comprimento da carroceira do caminhão para possibilitar o transporte e, mais tarde, quando não tivesse freguês na barbearia seria picada. Metade da carga pertenceria ao motorista como pagamento do frete. Enquanto derrubávamos uma bracatinga em uma rara clareira naquela mata fechada, meu pai resolveu testar o seu revólver calibre 38. Revólver da marcha Schmidt, todo niquelado, com cabo madrepérola e cano longo. Diga-se, uma bela arma. A pedido dele, coloquei uma pequena folha verde no tronco de um pé de guabiroba e, a mais ou menos trinta metros de distância, empunhando o revólver com as duas mãos esticadas, meu pai mirou e desferiu um tiro. A bala teve destino certeiro ao se alojar no meio daquela folha. Pedindo para que eu saísse de perto da árvore desferiu mais um tiro. Após verificação notamos que na folha verde só tinha aquele buraco do primeiro tiro, inclusive o motorista do caminhão tirou um sarro dizendo que o meu pai tinha errado até do tronco. Não contente e não admitindo ter errado o tiro, meu pai pegou um machado e cortou a árvore. Encontrou uma bala alojada dentro da outra. Após a constatação, notava-se a expressão feliz demonstrada na sua fisionomia com os cantos da boca chegando até as orelhas.
O segundo feito seria na parte da tarde e, após termos comido a merenda, pão com linguiça e tomado um gasosão de framboesa, sentamos embaixo das árvores, eu e meu pai. O motorista do caminhão já tinha partido com destino a nossa casa em Porto União, na Avenida Getúlio Vargas, em frente à estrada de ferro. De repente, aquele silêncio sepulcral! Nem vento nas folhas e nem canto dos pássaros. Colocando o dedo na boca, dando sinal para que eu me mantivesse quieto, meu pai pegou a espingarda de dois canos, marca Belga, com cuidado, engatilhou e, pé por pé, prestando atenção em todos os lados, adentrou na mata. Curioso e com medo, também pé por pé, fui atrás. Não encontramos nada, mas cabreiros com o silêncio “ensurdecedor”, que foi quebrado por um rugido vindo de cima de um pé de imbuía, os nossos olhares, com misto de admiração e medo, focaram um tigre. Em milésimos de segundos ouviu-se o estampido de um tiro de espingarda e o tigre, antes do bote, cair no chão como uma trouxa. Com rosto cheio de chumbo, a fera jazia no chão da mata. Tremendo, meu pai olhou para mim e disse: Imagine a cagada que tinha dado se eu errasse o tiro! Não daria tempo para outro.
No final da tarde, na beira da estrada, embarcamos no ônibus que vinha do Passo da Galinha até União da Vitória, meu pai com o revólver na cinta e tigre nos ombros. Eu, carregando a espingarda e o bocó em que tínhamos levado a merenda. Olhados com curiosidades e admiração pelos passageiros que estavam sentados, em pé, no corredor, nos consideramos o máximo.
Quando chegamos e descemos do ônibus na Rua Marechal Deodoro, em frente da bodega do seu Nedochetko, nos deslocamos a pé pelo bairro Triângulo até a nossa casa, e fomos seguidos por uma imensa fila de pessoas curiosas que queriam saber do ocorrido. Lembro que nesse trajeto meu pai parou e feliz da vida, contou o que tinha acontecido, não omitindo nenhum detalhe. Ao chegarmos, a nossa casa ficou cheia de vizinhos. Após conversas com vários amigos caçadores, descobriu-se que a fera não era um tigre e, sim, uma jaguatirica.
Trecho do livro Apócrifos da biografia de um desconhecido, de autoria do Craque Kiko.