O FURTO DAS TELHAS E O LUTADOR DE LUTA LIVRE

O FURTO DAS TELHAS E O LUTADOR DE LUTA LIVRE

O FURTO DAS TELHAS E O LUTADOR DE LUTA LIVRE

Após as aulas, quando não estava engraxando sapatos na barbearia do meu pai ou vendendo dolés, eu vivia jogando bola nos campinhos nos arredores da nossa casa. Em certa ocasião, jogando no campo do Banhadão, onde hoje está situado o Batalhão da Polícia Militar de União da Vitória, enquanto o nosso quadro esperava para pelear com o vencedor do prélio que corria solto, um piá falou baixinho no meu ouvido que tinha um segredo para me contar, mas eu não podia dizer para ninguém que foi ele quem me contou. Após a promessa que não contaria, ele me confidenciou que os piás mais velhos que estavam jogando, de vez em quando, iam furtar telhas no depósito do meu pai, vendiam e ficavam se vangloriando por ter roubado do barbeiro tongo. Eles usavam da seguinte artimanha, principalmente quando eu estava na aula ou vendendo dolés e o meu pai estava sozinho na barbearia: Um deles ia cortar o cabelo, enquanto os demais pulavam o grande portão de madeira e, sorrateiramente, adentravam no depósito de telhas. Roubavam umas poucas telhas e vendiam para um receptador que morava num trecho da antiga Linha Velha, um lugar conhecido como “boca quente”, por onde poucos se arriscavam a passar por lá. Lembro ouvir o meu pai falando que quando passava por ali, para se proteger levava uma faca em cada mão e nunca foi molestado, dizia ele: Os malacos sabiam que comigo o buraco é mais embaixo. Sabedor do contado pelo piá dedo duro, adivinhem só, fui correndo falar para o meu pai. Tamanha foi a minha surpresa quando ele disse que sabia e sempre estava de olho e, que por serem umas poucas telhas e por ser amigo dos pais dos meninos larápios fazia vista grossa, até porque eles eram fregueses na barbearia, mas agora, ao saber que era alvo de gozação, daria um corretivo.

Na primeira oportunidade foi falar com os pais dos meninos, que deram autorização para que fosse dado um corretivo neles. Eram três os piás que se revezavam em pular o portão para os furtos. Então, na tarde seguinte, junto com seus pais, os três larápios de telhas apareceram para cortar o cabelo. De posse de uma tigelinha conseguida na cozinha da minha mãe, o meu pai barbeiro mandou ver. Enquanto o pai segurava o filho sentado na cadeira, meu pai com sua máquina manual tosava as mechas dos guris. De cabelo só ficava o redondo no meio da cocuruta. Mesmo a gurizada chorando, os cabelos foram cortados. Eu, escondido atrás da porta dos fundos da barbearia, fui testemunha ocular e ouvi as palavras dos pais, que aquilo não era nada perto da sumanta de laço que levariam em suas casas.

Passada uma semana, um dia, na boca da noite, enquanto meu pai dava um trato no cabelo de um amigo sapateiro, conhecido por João Ribas, que morava no centro de Porto União, apareceu na barbearia um famoso meliante, homem lutador de luta livre, com um invejável porte físico, e que já tinha diversas passagens pela carceragem ali na Rua Matos Costa. Eu, sentado lá no fundo do salão, quase que manchei o calção quando ouvi o lutador falar: Quero ver se tem um macho com três batatas para me cortar o cabelo igual aos três piás. Vi quando o meu pai começou a amolar a sua famosa navalha Solingen e me arrepiei. Nisso, o amigo freguês sapateiro comprou a parada e disse para o fulano: Se você for macho mesmo, espera até o barbeiro terminar o corte no meu cabelo, que vou te mostrar as minhas três batatas. E disse ainda que achava que o lutador era um malandro “quirera”. Nesse ínterim, saí pela porta dos fundos e fui correndo contar para a minha mãe, que de pronto acionou os vizinhos, que se aglomeraram na frente da barbearia, esperando pelo pior.

O sapateiro João Ribas era um sujeito calmo, baixinho e com um porte físico atarracado que, ao levantar da cadeira de cortar cabelos, dirigiu a palavra ao lutador pedindo que, pelo bem de todos, esquecesse o ocorrido e fosse embora, porque senão o negócio poderia feder. Metido a valentão, o meliante começou a cantar de galo na frente do sapateiro e, quando menos esperou e deu por si, após levar uma rasteira rápida e precisa, já estava no chão levando coice de todo lado. Apanhou tanto que, a certo momento, pediu, por favor, para que o sapateiro parasse de surrá-lo. Nisso, chegou a “dona justa”, polícia de Porto União, que se encarregou de levar o famoso lutador de araque, não antes de ele ouvir do sapateiro que, se voltasse a importunar o barbeiro, nova camaçada de pau levaria.

Diante do acontecido, ficou o medo no ar pois, uma hora ou outra, ele seria solto. Por incrível que pareça, ao ser posto em liberdade, o lutador passou na barbearia e falou para o meu pai esquecer o fato e confessou que tinha sido contratado pelo receptador das telhas roubadas. Pediu para o meu pai interceder e não deixar o sapateiro chegar perto dele.

Texto publicado no livro Apócrifos da biografia de um desconhecido, de autoria do Craque Kiko.

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