Naquele rincão, outrora palco de disputas por limites territoriais, e que naquele momento vivia uma grande corrida ao desenvolvimento, sendo o principal meio de lazer daquela sociedade, ainda em formação, a prática do já famoso esporte bretão levava muitos aos estádios. Com artistas da bola aparecendo de todos os lados, principalmente, aqueles originados pelos novos moradores, que vindos de outras cercanias para concluírem aquela ferrovia que interligaria os estados do sul do Brasil, traziam em seus genes, misturas das mais variadas raças desse colosso País. Com uma certeza só, os espetáculos dentro do palco verde seriam uma grandeza absoluta e, foram, por longos anos. Com os esquadrões locais, litigando de igual para igual e, também, na maioria das vezes de forma superior, subjugando as agremiações de outras paragens, começou-se a pensar na formação de um clube de futebol profissional. Entre idas e vindas, ao longo dos anos, após tentativas em vão, essa vontade foi satisfeita pela sociedade de um modo geral. Então, de início com alguns céticos, mas com o apoio da maioria daquele povo, foi criado o primeiro esquadrão de futebol profissional.
Comandado pela elite financeira daquela cidade, vários jogadores, na sua maioria de origem negra, foram contratados. Debutando naquele certame, dando show dentro dos gramados, aqueles jogadores começaram a ser endeusados pelos amantes do futebol e também pelo “sexo frágil”, começando a transparecer a partir daí, a discriminação e o preconceito, principalmente, por parte das famílias abastadas, que consideravam que suas lindas filhas estavam sendo aliciadas pelos boleiros, que, diferentes na cor da pele, modo de falar e vestir, novidade em uma sociedade conservadora e racista, estavam chamando a atenção delas. Parte da elite desse povo os via como artistas dentro de um picadeiro, dando show, mas fora dele, contato algum seria permitido com as famílias locais. Filha minha com esse “fila boia”, nunca! Era como os gladiadores da antiga Roma, eram heróis somente vencendo, dentro do Coliseu.
O certame começou com o Estádio, totalmente, apinhado, e era prenunciado pelo estrugem de foguetes no céu, acompanhados pelo badalar do sino na pequena igreja, acionado meia hora antes de se iniciarem os confrontos futebolísticos. No desenrolar da competição, o “Benjamin” do certame, assustava todos os seus oponentes que por aquela cidade apoitavam para pelejar, principalmente, os esquadrões mais famosos, que retornavam para suas terras, na maioria das vezes, sem triunfo nenhum. Com uma ótima campanha na competição, contrariando os céticos que lhe impuseram a alcunha de “Catapora”, fazendo uma alusão de que “dá e já passa”, e que era um “fogo em palha”, o “Catapora” não passou e foi, à sua época, um gigante que surgiu.
Na cabeça da tabela classificatória e com a rodada sendo mantida para aquela semana de carnaval, os jogadores, na maioria de outras cidades desse mundão chamado Brasil, não foram liberados para passar a festa de Momo em seus locais de origem. Como a maioria do elenco tinha a musicalidade incrustada no seu ser, resolveu-se fazer um bloco de carnaval para desfilar pelas principais ruas da cidade. Ensaios após os treinamentos futebolísticos foram realizados e, com o apoio das emissoras de Rádio locais, que divulgaram, diariamente, nas suas programações, as ruas ficaram abarrotadas de gente e a apresentação da “Escola de Samba” foi um show, deixando aquele povo atônito pelo espetáculo nunca antes visto por aquelas bandas.
Após o desfile pelas ruas, isso já beirando a meia noite, sentindo-se muito alegres, a turma de jogadores se deslocou até a portaria do maior e melhor clube social, que era dirigido pelos principais diretores do esquadrão profissional, pois um sócio os tinha convidado para se fazerem presentes no local. Com todos já a muito tempo por ali, esperando para que o acesso lhes fosse permitido, ouviu-se por detrás da porta de entrada, quando o porteiro do clube, dirigindo a palavra para o presidente disse que a “negrada” do time queria entrar no recinto. De pronto, o presidente do Clube Social, que também, era um dos principais diretores do quadro de futebol, “desferiu” de sua boca: dê a desculpa que não me achou e mande essa negrada embora. Será que esses fila-boias não percebem que aqui não é lugar deles! Aqui só entra a alta sociedade, continuou o presidente. Tendo ouvido tudo, a tristeza maior nos boleiros, foi quando o cobrador querendo aparecer, falou para o presidente do Clube: deixa comigo chefe, vou chamar a polícia e colocar essa macacada em cana. Como um balde de gelo nas cabeças e, muito chateados com a situação, principalmente, porque, aquele porteiro e cobrador de mensalidades, nos dias de prélios, era o espectador mais assíduo ao estádio, pulando e gritando ao lado do alambrado como se fosse um macaco de auditório. Com muita raiva e sem comentar que tinham ouvido a conversa tida atrás da porta, os jogadores retornaram para seus alojamentos na Sede do esquadrão.
Passados quase cinquenta anos, com vários jogadores daquele episódio tendo constituído famílias com moças filhas oriundas daquela terra e se radicando naquele local, o mundo girou, e por lá, mudou e, muita coisa acabou. Por exemplo, um daqueles jogadores que fora discriminado e teve a sua entrada barrada naquele Clube Social, se transformou no seu presidente de fato e de direito, regendo por tempos a batuta daquele clube. Aquele ex-presidente e ex-diretor da agremiação esportiva, deixou de ter o cacife financeiro e prestígio que detinha, pois o dinheiro tinha mudado de mãos. Aquele presidente, juntamente, com aquele porteiro cobrador, seguidamente, eram vistos caindo pelas tabelas nos randevus, porque, quando sumiu o boró, tutu, grana, money, enfim, o dinheiro, foram abandonados pela considerada nova alta sociedade, que continuava dando o valor pelo que o vivente possuí e não pelo caráter que detém.
Obs: matéria publicada no Jornal Caiçara em 06/11/2020.