TUDO POR AMOR AO FUTEBOL.

TUDO POR AMOR AO FUTEBOL.

Em meados da década de 1970, no interior da caserna, fundou-se aquele esquadrão de futebol profissional que seria alcunhado pela crônica esportiva daquelas cidades vizinhas e irmãs e por seus ferrenhos torcedores como o “Orgulho de uma gente”. Tendo ciência que seu nome figuraria para todo o sempre nos anais da história do futebol profissional deste enorme país-continente, o ilustre “comandante-fundador”, num tempo da sua vida foi dar prosseguimento à sua carreira militar em outras plagas deste nosso Brasil varonil. Pela primeira vez aquele esquadrão seria pilotado por pessoas da sociedade civil. De início seguia com o vento em popa, e fora também apelidado como “Fantasma da Fronteira” pela imprensa da capital do estado das araucárias devido aos sustos que dava nos grandes e famosos esquadrões da cidade sorriso, quando por estas paragens apareciam para litigar. Agora nas mãos de uma diretoria civil, a princípio tudo continuava indo muito bem dentro do palco das peleias e fora deles. Já famoso nos três Estados do Sul pelos seus feitos naqueles seus poucos anos de vida, o esquadrão dos cantos do caudaloso Iguaçu e da beirada dos trilhos ferroviários também fez com que as cidades ficassem conhecidas nacionalmente, quando por vezes seus prélios fizeram parte da Loteria Esportiva, sistema de palpites em jogos de futebol nesta imensidão de solo brasileiro.

Cotejos no lendário Estádio da Caixa D’água eram realizados abarrotados de torcedores enquanto os resultados eram alvissareiros. Nos primeiros percalços, o esquadrão das cidades unidas pelos trilhos do grande entroncamento ferroviário começou a testavilhar, onde a tontura dentro e fora do tapete verde começou a se fazer presente. Notou-se de imediato que o esquadrão estava meio que acéfalo e começou a navegar não mais em um remanso, dando sinais de que antes que chegasse no vórtice de águas mais turbulentas poderia naufragar. Sem o respaldo financeiro da soldadesca que era descontado do soldo dos praças, também, o comando militar não tinha mais como justificar e bancar a grande parte restante das despesas que tivera com o elenco. Não fosse a ação de alguns abnegados amantes do futebol, o quadro profissional, sem ainda ter chegado perto da puberdade iria sumir do mapa. Para tanto, fazendo coisas do arco da velha para manter o “onze” peleando, a diretoria civil, meio que no “grito”, conseguia manter o Clube com vida, mas aos poucos, muitos diretores foram cansando e abandonaram o barco. Só ficou um, que por uma paixão quase que doentia, não mediria esforços, pondo em risco quase tudo o que amealhou em sua vida de labuta. Segurando firme aquele timão por longos anos, aos poucos foi sentindo o fardo que lhe restara, muito pesado, e seus braços e pernas não estavam mais suportando aquela enorme carga. Por bom tempo aquela nau ainda navegou com o leme em mãos daquele capitão remanescente, que mesmo fraco de quase tudo, fazia o impossível para continuar pilotando tentando deixar com vida o onze da esquadra auricerúlea.
Adentrava-se a década de 1980, e agora porfiando no Estádio dos Eucaliptos, que outrora pertencerá ao quadro mais velho do futebol amador daquelas povoações do Vale, nos finais de semana, quando o time estava bem no certame, um povaréu se fazia presente. Sentados nas arquibancadas – alguns em pé, lado a lado – outros encostados no alambrado do palco verde ou com o umbigo no balcão do bar, para que em uma limpeza total da mente, jogassem para fora todos os infortúnios amealhados em uma semana de muita lida sofrida, lavar completamente a alma. Coitados dos homens de preto, que mesmo tendo mães ilibadas ouviam os piores e possíveis despautérios, mas já escolados depois de tantos apitos nos seus referees, tiravam de letra. Sofriam mais quando os boleiros estavam com os ordenados e bichos atrasados, onde o rango na cozinha da concentração era bucho de gado e, quando aparecia um pescoço ou pé de frango – raridade, era motivo de comemoração. Com os nervos à flor da pele, pela mínima coisa dentro das quatro linhas, os jogadores acendiam o estopim e fosse o que Deus quisesse, a fuzarca era certa e o reflexo da bagunça atingia o mediador.
Com os vencimentos atrasados, muitas vezes alguns boleiros no dia das contendas, como pressão avisavam que não adentrariam no palco verde se não vissem a cor do boró. Fazendo figa para que logo se abrissem as janelinhas da bilheteria, o presidente esperava a entrada de alguns torcedores para pegar uns “caraminguás” e dar para os jogadores que se negavam a entrar em campo. Se o público fosse diminuto e uma verbinha não entrasse no caixa logo de cara, o plano B teria que ser posto em ação. Então, um piá do futebol amador faria a sua estreia no elenco profissional substituindo o boleiro grevista.
Entre tantos malabarismos feitos para manter o esquadrão Azul e Amarelo litigando e chamar a torcida à campo, no domingo, embaixo das arquibancadas, um dos poucos colaboradores fiéis ao timoneiro-presidente, assava uma enorme costela que seria sorteada entre os torcedores pagadores de ingresso. Além da peleja dentro do gramado, travava-se outra entre os torcedores, pois a expectativa era enorme pelo sorteio da enorme costela no intervalo entre a primeira e segunda metade. Os jogadores já sabiam, que mesmo triunfando ou sendo derrotados, lá na cozinha da concentração, no jantar degustariam a já mencionada costela. Mas como eles sabiam que comeriam aquela gostosa costela? Não era para ela ser sorteada entre os torcedores pagadores de ingresso? Era nada! Nunca se viu um torcedor levando aquela enorme costela para casa, pois na hora do sorteio um cambalacho era feito. Com uma cambuca cheio de “papeizinhos”, todos eles com a mesma numeração, o ganhador, antes mesmo da costela ser posta no fogo, já sabia que seria o sorteado. O sorteio sempre era direcionado para uma pessoa aliada com o diretor manda-chuva. O ganhador já sabia, não levaria aquela carne para casa, pois ela estava destinada para os jogadores que após a degustação na boca da noite, receberiam uma mixaria de vale para poderem pagar o ingresso e adentrarem nas tradicionais tardes/noites dançantes do Clube 25 de Julho.

Texto publicado no Jornal Caiçara em 14/10/2022.

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