No tempo de antes, com o Estádio Municipal de Porto União ainda para ser inaugurado, sem estar totalmente concluído, o quadro visitante, Grêmio Oeste de Guarapuava pisava naquele tapete verde para duelar contra o Expresso dos Trens, o Ferroviário E.C. que era um esquadrão a ser batido, tamanha a façanha que vinha fazendo por estas bandas. O prélio foi esse, mas o enredo que começou durante um lance naquela refrega foi outro, foi de uma paixão em vias de nascer, e quem sabe, no futuro, poderia se tornar um grande amor.
Em um ataque dos dianteiros do esquadrão da Rede, o arqueiro contrário, de ponta de dedos, num voo primoroso, mandou o balão de couro para escanteio. Correndo para apanhar a pelota na intenção de fazer a cobrança do tiro esquinado, o dianteiro Sicrano, quase abalroou uma torcedora, que atrás da meta, juntamente com outras senhoritas, com suas sombrinhas coloridas, enjerizavam o guarda-metas visitante. Ao fitar aquela jovem ruiva, com o cabelo usando um penteado no estilo coque e dois lindos brincos, que lhe realçavam a linda fisionomia, esguia e muito cheirosa, Sicrano pediu desculpas pelo encontrão dado. Recebeu como resposta que somente seria desculpado se fizesse um tento em homenagem à ela. Sicrano disse que faria, mas ela teria que lhe abrir um espaço para uma prosa após o cotejo. No ato, ela lhe respondeu que “trovaria” com ele, desde que prometesse que na noite do sábado seguinte se encontraria com ela na Festa da Fogueira da pequena ermida do Bairro Tocos, conhecido nos dias de hoje como Bairro São Pedro. Ficando apalavrado que sim, ele iria na Fogueira, o prélio seguiu, mas o tento prometido não saiu e, a conversa após a contenda foi prejudicada pelo aguaceiro que desabou quase no final da peleja, pois ela teve que se mandar embora.
Silvia era o nome da fulana com quem Sicrano tinha atado o encontro. Ambos procurando saber um do outro durante aquela semana, através de recados escritos em bilhetes de papel almaço, que pelo lado dela vinham perfumados, se comunicavam. Ficou acertado que ela ficaria esperando por ele naquela rua de frente da ermida do Tocos, lá no final onde ela acabava, com pouca iluminação. Sicrano, metido num gavião namorador vivia molhando o “bico” nas várias namoradinhas que tinha pelos cantos das cidades e não queria perder o cartaz com elas, por isso escolheu aquele local ermo que lhe facilitaria dar as suas “bicadas” às escondidas.
Com o clima frio, normal para aquela época de julho, Sicrano, sem ter algum casaco para se proteger daquele ar gélido, faltando-lhe outra opção, foi obrigado a fazer uso do paletó puído que fora de seu nono, mas que lhe assentou bem no corpo. Um outro problema estava existindo para aquele encontro, pois à época, andava sem nenhum tostão no bolso, se fosse virado de ponta cabeça nem pó cairia, mas isso ele tiraria de letra, ficaria somente lá naquele fundo escuro e daria as suas “mortais” cipoadas naquela formosura.
Conforme ajustado, lá estava ela esperando-o, mais garbosa que nunca, linda de morrer. Muito encantado com a beleza daquele legítimo “tesouro”, Sicrano sentiu muito mais calafrios pelo corpo quando começou a beijar aqueles lábios quentes e carnudos. Eram beijos ávidos, que nenhuma de suas namoradinhas tinha lhe dado até aquela noite. De deslumbrado à extasiado, estava indo a loucura, ainda mais, quando começou a sentir aquele cheiro de xixo assado e, uma enorme preocupação começou a tomar conta de sua cabeça. Tinha que fazer uma média com ela para ganhar por completo o seu coração e, para começar, daria um jeito de lhe pagar um espetinho daquela carne que deveria estar deliciosa. Mas como! Estava duro de tudo. Nisso, no alto-falante alguém falou sobre um prêmio em dinheiro para quem tivesse a coragem de subir e acender aquela Fogueira, já conhecida como a maior do Brasil, com altura de quase trinta metros. Em um brilho ou apagão da realidade momentânea da sua mente, num desespero e quase loucura, Sicrano pediu para que a moça ficasse lhe esperando ali, ele poderia demorar um pouco, mas voltaria, pois tinha que resolver um problema urgente (ganhar a grana para acender a fogueira). Ela confirmou que esperaria o tempo que ele quisesse. Então, rapidamente, Sicrano se encaminhou até ao rapaz do alto-falante e se candidatou à acender aquela enorme porção de lenha. Num som mais alto que o normal, foi anunciado no alto-falante que tinha aparecido um cabra corajoso, que ia subir até o topo e colocar fogo naquela Fogueira feita de bracatinga. Pensando no dinheiro que ganharia, no xixo suculento e nos muitos beijos da Silvia, que poderiam ser para quase todo o sempre, Sicrano tirou e entregou o seu paletózinho ao rapaz do alto-falante e iniciou a subida, ouvindo os gritos e as batidas de palmas de todo aquele povaréu que se apinhava por ali.
Já tendo escalado mais o menos uns dez metros, num de repente, ao pisar na ponta de um pau de lenha, resvalou, ficando pendurado somente apoiado pelos braços. Suas mãos não suportaram o seu peso e, como se fosse uma trouxa Sicrano desandou daquela altura vindo depressa beijar o chão. Entre gritos desesperados e alucinantes, principalmente, pela mulherada que se fazia presente, rapidamente com o corpo desmaiado colocado em cima de uma ximbica, Sicrano, às pressas, foi levado até ao Hospital 26 de Outubro.
No tempo de agora, tendo passado mais de setenta anos, após se deslocar com a ajuda de uma bengala para amenizar a dor na coluna ganha naquela queda da Fogueira, hoje, sentado em um banco de imbuia, lá no fundo do quintal da sua morada, com o corpo meio puído e a carcaça definhando pelo tempo vivido, Sicrano conta essa história para um de seus bisnetos, terminando ao dizer que Silvia, hoje, também meio acabada, virada quase só em caibros e com as vigas tomadas de cupins, com certeza não conheceu o prazer carnal por ele, e sim por outro, e ainda neste mundo, ela tem a sua família, é bisavó de vários netos, mas que ele, apesar daquele tempo ido, às vezes sonha e se delicia sentindo o gosto cálido daqueles beiços outrora carnudos.
Matéria publicada no Jornal Caiçara em 19/03/2021.