HISTÓRIAS DO CRAQUE KIKO – 32 FACÃOZAÇO NA DECISÃO.

HISTÓRIAS DO CRAQUE KIKO – 32 FACÃOZAÇO NA DECISÃO.

Coisas da bola

Coisas da bola são relatos de fatos vividos por mim, histórias contadas por amigos e outros frutos da minha imaginação.

Qualquer semelhança será puro acaso.

“Jair da Silva Craque Kiko”

Naqueles tempos idos, ainda vivíamos no ciclo da madeira e a estrada de ferro era o principal meio de transporte, tanto de cargas, como de pessoas aqui nas cidades irmãs de Porto União-SC e União da Vitória-PR. Grandes indústrias com suas chaminés soltando fumaça, trens saindo e chegando a todo o momento eram corriqueiros. Empresas de grande porte, como Madeireira Miguel Forte, Madeireira Thomazi, Bordin, Irmãos Fernandes, Dissenha, Rutemberg, Selectas e tantas outras, alavancavam a nossa economia. No lado esportivo, tínhamos um futebol amador de primeira grandeza e a competição entre os quadros das empresas era esperada com grande expectativa por todos os trabalhadores. O setor de Recursos Humanos das firmas, dava preferência nas contratações para seu quadro de funcionários, pessoas que jogassem futebol. Escolhiam os melhores jogadores e montavam verdadeiras seleções, criando uma grande rivalidade futebolística. A competição esperada por todos era o famoso certame de futebol de campo organizado pelo SESI, cuja Sede ficava na Rua 7 de Setembro, onde hoje é o Cartório Costa. Como sempre, com excelente organização, a instituição SESI promovia competições, norteada ao que estava escrito no regulamento aprovado em um congresso técnico. É baseado nisso, que narro essa pequena verdade. O certame de futebol de campo daquele ano, como esperado, estava pegando fogo. Os esquadrões das empresas eram verdadeiras seleções. Naquele certame não tinha nenhum favorito, os quadros estavam equilibrados e a classificação estava embolada, tanto é, que chegando à reta final, vários elencos reuniam condições de abiscoitar o caneco.

Não diferente de anos anteriores, uma tradicional empresa de Porto União, novamente montou um timaço, até porque, a economia estava em franco crescimento, o que propiciava a contratação de novos funcionários e, sempre preferenciando craques de bola, também nesse ano, ela montou um belo elenco. Com jogadores renomados, no papel, não precisaria fazer muita força para levantar a taça, diziam alguns. Só que essa Empresa já estava estigmatizada ao tentar ganhar uma final de campeonato, pois já tinha decidido várias vezes e, em todas não tinha logrado intento, sucumbiu. E, nesse ano, mais uma vez com excelente campanha, chegou novamente na grande final.
Em um sábado festivo e com as arquibancadas apinhadas de trabalhadores torcedores, o campo da Lagoa Preta (Estádio Bernardo Stamm) foi o palco daquele prélio que iria para a decisão além-campo, no tapetão. Já nos “camarins” localizados embaixo das arquibancadas, os atletas dos dois quadros estavam se fardando e, os místicos de cada esquadrão, também lá dentro, faziam as pajelanças, mandingas e acionavam os “Pais de Santo”. Valia de tudo para ganhar a contenda decisiva. Folhas de arruda nas orelhas dos boleiros, enxofre, sal grosso e a tradicional fumaça de pólvora queimada, fazia com que os craques, quando adentrassem às quatro linhas, o fizessem “fungando”.
Com todos os artistas da bola se fardando, o roupeiro daquele “escrete” que sempre chegava na final e nunca triunfava, comunicou ao treinador que tinham sumido alguns pares de meias, só tinham sobrado nove pares, portanto faltava um par de meia para fardar o “onze” completo, pois o goleiro poderia jogar com uma meia diferente. Como as meias daquele esquadrão eram personalizadas não se conseguiriam outras iguais. O regulamento era claro. A equipe que não estivesse com uniforme completo perderia os pontos e seria eliminada. E agora o que fazer? Pressionado, pois o quadro contrário já estava dentro do tapete verde e o mediador não parava de trilar o seu refere exigindo que entrassem no gramado. Numa inspiração momentânea, o seu treinador saiu correndo e foi até o seu fusqueta. Pegou o facão que sempre estava embaixo do assento e voltou rápido para o vestiário. Como as meias eram bem compridas, estilo meião, o treinador cortou o cano de um par de meias. Com isso, um atleta adentrou ao gramado com as meias mais curtas. Já, o outro usou os canos, simulando que os dois estariam com as meias iguais aos demais companheiros, portanto o uniforme estaria completo.
Aquela decisão foi uma verdadeira batalha de futebol. Com divididas em que saiam leivas de grama, onde se via um contendor fungando no cangote do litigante contrário. Marcação muito acirrada, aguerrida, homem a homem, onde o sistema tático ortodoxo fixo e mordaz empregado pelos dois treineiros, fez com que muitos boleiros ao deixarem o gramado pudessem dizer que deram o sangue pelo esquadrão, tamanha as marcas deixadas em suas canelas pelas travas das chuteiras do seu oponente. Próximo do apagar das velas e o mediador prenunciando o trilar do seu apito para encerrar aquele duelo decisivo, o escore apontava três a três, sendo que a igualdade no placar levaria a contenda para uma prorrogação do tempo regulamentar.
No último instante da fase derradeira, num lampejo do camisa 10, aquele que jogava usando os canos da meia, atuando muito aquém do seu normal naquela peleja, não estava vendo a cor da redonda, do meio da rua desferiu um “peido de veio”. Devido a facilidade em catar aquele arremate “xoxo”, o arqueiro foi displicente para encaixar a pelota e levou um baita azar, quando ela quicou num morrinho goleador e foi se alojar no fundo da sua meta. Era o quarto tento do adversário. Na saída de bola no grande círculo, o juizão encerrou o tempo regulamentar do combate.
Enfim, aquele esquadrão que sempre perdia na contenda final conseguiu ser campeão ao ganhar por 4 tentos a 3? Ainda não! Surgiu um entrave. O adversário perdedor descobriu a mutreta da meia, e logo após o encerramento do cotejo entrou com um protesto na súmula do confronto. Não se sabe como conseguiram, anexaram ao protesto os canos das meias cortadas. O regulamento é claro diziam os perdedores, os adversários não estavam uniformizados corretamente, perderiam os pontos e seriam eliminados.
Diante daquele fato inusitado, foi criado uma comissão especial para julgar o caso. Durante a semana seguinte, ficaram deliberando os diretores dos esquadrões, do SESI e um Tribunal de Justiça Desportiva recentemente criado para ajudar a resolver o imbróglio. Ficaram a semana toda discutindo e não chegaram a nenhum veredito. Foi aí, que entrou o bom senso do quadro que perdeu dentro do gramado, retirou o protesto e o esquadrão vencedor dentro do palco verde, até que enfim, pode ser declarado campeão e, depois de um longo tempo, conseguiu colocar um troféu na sua galeria localizada no escritório da empresa.

Texto publicado no Jornal Caiçara em 27/08/2022.

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